Leia o texto abaixo.
Lição de piano
Todos os dias, bem cedo, ela começava. Era a hora da lição de piano. As notas pingavam, uma a uma, na mesma cadência, e assim continuavam por horas a fio, no exercício. Eram sempre as mesmas, dedilhadas pacientemente, dia após dia, semana após semana. Mesmo aos domingos, o som monótono se fazia ouvir. No silêncio da manhã, eu escutava perfeitamente da janela de meu apartamento e, se quisesse, seria capaz de reproduzir as notas, uma a uma, com um assobio, tantas vezes ouvira a sequência. [...] Embora nada soubesse sobre a pessoa que produzia aquele som – não conseguia determinar sequer de que apartamento da vizinhança o som provinha – eu sempre pensava nela assim, como uma mocinha. Quase uma menina. Uma menina fazendo sua lição de piano. Os anos foram passando e nada mudou. Todas as manhãs, lá estava. O som do piano, em sua monotonia. Dedos que me pareceram sempre solitários, ou até mesmo tristes, martelando as teclas inutilmente, sem a recompensa de uma melodia. Para quê? No início, esperei que as lições evoluíssem e que um dia eu ouvisse uma música inteira, tocada com beleza e força, algo que me recompensasse por tantas horas de monotonia. Mas isso nunca aconteceu. Até que um dia uma amiga me chamou para ir a um concerto. Um concerto de piano. Fomos. Entramos no auditório enorme, de poltronas vermelhas, parecendo um daqueles cinemas de antigamente. E esperamos, em silêncio. As luzes se apagaram e a concertista entrou. Era uma senhora, já. Muito magra e elegante, imponente em seu vestido negro, os cabelos brancos presos num coque, apenas um fio de pérolas no pescoço. Não tenho muita intimidade com a música clássica, mas minha amiga me dissera que era uma das pianistas mais respeitadas do Brasil. E ela provou por quê. Sentou-se ao piano e nos levou, a todos, em sua melodia, dedilhando-a com maestria, transformando as notas em água, perfume e sonhos. Quando acabou o concerto, minha amiga me levou ao camarim. Fui apresentada à pianista e, encantada, ouvi-a falar sobre sua arte. E foi então, depois de alguns minutos de conversa que, por algum motivo do qual já não me lembro, ela mencionou onde morava. Não demoramos muito para descobrir a coincidência espantosa: era ela – e não uma mocinha, como eu supunha – quem fazia as lições de piano que eu vinha ouvindo há anos. Ela, a concertista famosa, capaz de nos transportar com sua música, era a mesma pessoa que dedilhava, todas as manhãs, as notas insossas que eu ouvia em casa. E foi assim que descobri qual a lição que aquele piano solitário ensinava. Paciência e humildade.
*De acordo com esse texto, a narradora julgava que a pianista
A) era uma aluna inexperiente.
B) incomodava a vizinhança.
C) preferia tocar aos domingos.
D) tocava poucas horas por dia.
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Resposta:
Creio que seja a letra A.
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