[...] Iria morrer, quem sabe se naquela noite mesmo? E que tinha ele feito de sua vida? Nada. Levara toda ela atrás da miragem de estudar a pátria, por amá-la e querê-la muito, no intuito de contribuir para a sua felicidade e prosperidade. Gastara a sua mocidade nisso, a sua virilidade também; e, agora que estava na velhice, como ela o recompensava, como ela o premiava, como ela o condecorava? Matando-o. [...] Desde dezoito anos que o tal patriotismo o absorvia e por ele fizera a tolice de estudar inutilidades. Que lhe importavam os rios? Eram grandes? Pois que fossem... Em que lhe contribuiría para a felicidade saber o nome dos heróis do Brasil? Em nada... O importante é que ele tivesse sido feliz. Foi? Não. Lembrou-se das suas coisas de tupi, do folklore, das suas tentativas agrícolas... Restava disso tudo em sua alma uma satisfação? Nenhuma! Nenhuma! O tupi encontrou a incredulidade geral, o riso, a mofa, o escárnio; e levou-o à loucura. Uma decepção. E a agricultura? Nada. As terras não eram ferazes e ela não era fácil como diziam os livros. Outra decepção. E, quando o seu patriotismo se fizera combatente, o que achara? Decepções. Onde estava a doçura de nossa gente? Pois ele não a viu combater como feras? Pois não a via matar prisioneiros, inúmeros? Outra decepção. A sua vida era uma decepção, uma série, melhor, um encadeamento de decepções. A pátria que quisera ter era um mito; era um fantasma criado por ele no silêncio do seu gabinete. [...] Contudo, quem sabe se outros que lhe seguissem as pegadas não seriam mais felizes? E logo respondeu a si mesmo: mas como? Se não se fizera comunicar, se nada dissera e não prendera o seu sonho, dando-lhe corpo e substância? E esse seguimento adiantaria alguma coisa? E essa continuidade traria enfim para a terra alguma felicidade? Há quantos anos vidas mais valiosas que a dele se vinham oferecendo, sacrificando e as coisas ficaram na mesma, a terra na mesma miséria, na mesma opressão, na mesma tristeza. [...] (BARRETO, Lim a. T ris te fim de P o lica rp o Quaresm a. In: VASCONCELLOS, Eliane (Org.). Prosa seleta. Rio de Janeiro: Nova Aguilar,)
1. O trecho apresenta dois retratos de Policarpo: o que caracterizou a sua vida e aquele que surge diante da morte. Quais são as características de cada retrato? ► Ao refletir sobre sua trajetória, o protagonista se dá conta do que fez em nome de seu patriotismo. Quais foram suas ações?
2. Qual é a imagem idealizada que Policarpo tinha do povo brasileiro?
3. Apesar de saber que a pátria que buscara era um mito, Policarpo ainda mostra esperança de que sua trajetória e seu ideal não tenham sido em vão. Mas essa esperança logo se desfaz. Explique por quê. ► A amargura da personagem é mais forte no trecho final do texto transcrito. Como sua desesperança é apresentada no último parágrafo?
4. De que forma a transformação de Policarpo exemplifica a intenção dos pré-modernistas de criar uma consciência crítica a respeito do Brasil?
Soluções para a tarefa
Oi Alves,
Tudo bem?
1) O retrato que caracterizou a vida de Policarpo é composto pelo patriotismo, pela admiração que tinha pelo país, a qual o trouxe diversas decepções.
Já o retrato na morte foi a idealização sendo desfeita, e o arrependimento por ter deixado o patriotismo apagar sua felicidade, e nem, ao menos, ter deixado um legado.
Durante a vida, por admiração a pátria, Policarpo aprendeu Tupi, aprender os nomes dos heróis brasileiros, estudar os rios, as características da terra fértil ( e tentar realizar plantações nela, sem sucesso) e se tornar combatente, quem sabe para ser herói? Entretanto, só se decepcionou com a terra que não gerava vida, as pessoas amargas, e a efemeridade de seus feitos.
2) Um povo doce, colaborativo.
3) Havia uma última esperança em Policarpo de que pelo menos alguém poderia seguir seus traços, há uma quebra ao perceber que ele nunca deixou nada para ser seguido, a qual foi atenuada, já que, para ele, de nada adiantaria o desperdício de outras vidas, já que os costumes e decepções não mudariam.
4) O pré-modernismo trás consigo uma visão critica do país, em confronto com o período do simbolismo, onde foram reforçados o patriotismo e representações nacionais.