Houve misoginia com a ex Presidente Dilma Roussef?
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Explicação:
A questão da misoginia relacionada ao golpe contra a democracia vivida no Brasil atual ainda não foi suficientemente analisada. Na tentativa de expor seus fundamentos e seus efeitos redigi o texto que segue a partir de minha participação como testemunha no “Tribunal Internacional em Defesa da Democracia no Brasil” presidido por Juarez Tavares no Rio de Janeiro em 19 de julho de 2016.
Minha intenção é propor que analisemos o machismo como um jogo de linguagem para que possamos avaliar a função central da misoginia em suas operações. Ora, a misoginia é o discurso de ódio contra as mulheres, um discurso que faz parte da história do patriarcado, do sistema da dominação e dos privilégios masculinos, daquilo que podemos chamar de machismo estrutural, o machismo que petrifica a sociedade em sua base e impede transformações democráticas. Quero dizer com isso que a luta pela democracia hoje se confunde com a luta contra a misoginia e todos os ódios a ela associados no espectro amplo do ódio à diferença. Mas a misoginia não é feita apenas de ódio, o afeto como a inveja também merece atenção conforme falaremos adiante.
O que aconteceu com Dilma Rousseff nos faz saber que o poder violento do patriarcado não se volta apenas contra as mulheres, mas contra a democracia como um todo, sobretudo na sua versão cada vez mais radical intimamente relacionada com as propostas do feminismo como luta por direitos ao longo do tempo. O que aconteceu com Dilma Rousseff nos ensina a compreender o funcionamento de uma verdadeira máquina misógina, máquina do poder patriarcal, ora opressor, ora sedutor, a máquina composta por todas as instituições, do Estado à família, da Igreja à escola, máquina cuja função é impedir que as mulheres cheguem ao poder e nele permaneçam.
Dilma Rousseff é a personagem que está em jogo hoje em dia no Brasil e será necessariamente incluída em nossa história como uma grande heroína. É em torno de sua figura que todo um sistema de práticas sedimentadas vem sendo desmontado. É em torno dela, figura central, que se desenvolvem todas as estratégias que movem a política no Brasil hoje.
Como mulher, sacrificada politicamente nesse momento, independentemente das críticas pontuais que possamos tecer acerca de seu governo, Dilma se torna uma figura exemplar, altamente simbólica da democracia representativa, aquela mesma que é aniquilada nesse momento pelo governo da traição golpista representada pela figura de Michel Temer, personagem fundamental nessa história. Estamos diante de personagens com narrativas, operadores, como todos nós, de um jogo de linguagem hegemônico, o jogo de linguagem do poder, mas nesse caso, o jogo de linguagem machista que é sinônimo do poder.
Para compreender essa ideia, convém colocar em questão que governo não representativo de Michel Temer enuncia-se como uma espécie de ditadura do “pater potestas”, de uma soberania tirânica que subjuga e exclui o povo dos processos governamentais. Seu governo dá espaço apenas ao homem branco capitalista, coronelista e colonialista e exclui, nesse gesto, a imensa população marcada por toda sorte de diferenças. Michel Temer vem a representar um poder de caráter antiquado. A extinção de ministérios e a retirada de representantes negros e mulheres, em outras palavras de todos os subrepresentados que se tornam agora absolutamente não representados, é a prova do tom da política atualmente imposta como um velho jogo de linguagem. Ora, quando dizemos jogo de linguagem, queremos dizer dos processos discursivos, mas não só. Tudo o que é simbólico, imaginário, todo o campo das representações, está em questão no que é dito e no que é feito, mas também no que é encenado.