Hoje pela manhã, ao contemplar o horizonte da janela de minha
humilde residência, a nostalgia invadiu meus pensamentos. Senti saudade
do que vivi na infância e agora só carrego as lembranças aquecidas em meu
peito.
Nasci e cresci nessa pequena cidade, numa época em que não
existiam essas modernidades como água encanada e energia elétrica.
Televisão, nem em sonho! As casas eram simples com paredes de
“inchumento” e cobertas de taipa (palmeira típica que deu nome ao lugar).
Bebíamos água do pote, mesmo assim éramos felizes com a simplicidade e
o calor humano daquele tempo. Passei memoráveis momentos aqui nesse pedacinho de chão,
porém, há uma passagem da minha vida que trago viva na memória e só esquecerei quando for
para o meu leito derradeiro. Lembro-me bem que era uma fresca tarde do mês de outubro, havia
acabado de cessar os últimos pingos da chuva que caíra bem forte naquele dia.
Mamãe estava na cozinha preparando o tradicional bolinho de chuva salpicado de canela
em pó para saborearmos com um café quentinho cujo nostálgico sabor ainda trago na memória até
hoje. Nós estávamos na sala quando ouvimos a voz dela: — “Passou a chuva, meninada, é hora
de catar pequi no cerrado”. Aquele chamado nos deixou ansiosos e mal podíamos esperar o
momento de embrenhar no cerrado e molhar as canelas com as gotas do orvalho que ficavam
sobre o capim verde da estrada logo após a chuva.
Naquela época do ano, era tempo de pequi, e as famílias iam em busca dele, pois era
responsável por deixar os pratos mais saborosos. Seu óleo era extraído e servia de “meizinha”
(unguento para diversas moléstias, como bronquites e queimaduras). Exalava um cheiro tão forte
que invadia as ruas da pequena cidade, e quando alguém se aproximava, já sabia que ali, mais
tarde, sairia uma saborosa galinhada com pequi, o “manjar dos deuses” da cozinha de nossa
região. “Hum! Aquele cheiro era de dar água na boca”. “Ah! O nosso pequi de cada dia! Amarelo
como ouro! Carnudo e saboroso. A nossa riqueza! Como sinto saudades daquele tempo!”
A busca por ele era uma farra só, não tinha tempo ruim. Mamãe ia à frente, e nós a
seguíamos com baldes, sacos e bacias na esperança de voltarmos para casa com todos os
vasilhames cheios. No caminho, nós, as crianças, íamos pulando, cantando e tagarelando naquela
inocência, como se a nossa única felicidade se resumisse em colher pequi no cerrado.
Contemplávamos a beleza da paisagem e os animais silvestres que, de vez em quando,
atravessavam nossa frente. Mamãe, vendo a nossa euforia, dizia:
— Meninos, olhem para o chão, cuidado com as cobras!
Andávamos alguns quilômetros e já avistávamos os pés carregados de frutos e, ao
chegarmos debaixo, o chão estava forrado deles. Começávamos a catar e ali mesmo
descascávamos para poder aproveitar o máximo de caroços. O cheiro que vinha deles nos fazia
não resistir e prová-los ainda crus. Ficávamos com os dentes amarelos, o hálito bem forte e aquele
“ranço” na boca que, ao conversarmos de perto com alguém, já se podia sentir o aroma marcante
do pequi. Ao enchermos as vasilhas, voltávamos para casa satisfeitos com aquele ouro que
acabávamos de garimpar. Sabíamos que nos próximos dias seria pequi no feijão, farofa de pequi,
pequi no arroz... Mas de uma coisa tínhamos certeza: jamais iríamos “repunar”.
Com a chegada da tecnologia, tudo ficou mais fácil por aqui. Porém, algo vem me deixando
triste. Percebo que a cada ano o pequi vem diminuindo. Apesar da proteção determinada por lei, o
pequizeiro está sendo ameaçado. Tantas derrubadas, queimadas. A exploração está sendo
responsável pela sua extinção. Hoje ele é comercializado, acabou a fartura daqueles idos. Eu, já cansada, não posso mais ir catá-lo no pé, e quando quero saborear algum caroço tenho que
esperar o vendedor passar na minha porta: “Olha o pequi, dona Maria!”. Só me restaram
lembranças daquele tempo e é com pesar que lamento a extinção do nosso pequi de cada dia. Por que o título do texto é “Pequi nosso de cada dia”?
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Essa resposta não tem nada aver mais preciso de pontos desculpa
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