História *O Nascimento do mundo ocidental* Pra ontem..
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Uma hora ou outra, todos sentem vontade de responder à pergunta: quem somos? De onde viemos? Por que somos assim? Geralmente isso ocorre nos momentos de insegurança, quando sentimos nossas convicções abaladas. Na dúvida, queremos agarrar a nossa tábua de valores. Por este motivo, é útil decifrar o gênese de nosso mundo, o Mundo Ocidental, e oportuno fazê-lo nesse momento em que o fenômeno da globalização ameaça dissolver as identidades em um caldo único, e inclusive muita gente deseja declarar que não pertencemos ao ocidente, tema de outro ensaio meu.
A Civilização Ocidental é recente se comparada a outras como a chinesa e a japonesa, tem no máximo dois mil anos, mas só fez jus de fato a essa designação a partir da Alta Idade Média. Antes o ocidente era Roma e o oriente era a Grécia, sendo que o norte da Europa era totalmente distinto. A menção meramente geográfica, Oeste X Leste, já não faz mais sentido na época atual, mas o núcleo difusor da civilização ocidental efetivamente teve início em um local geográfico que correspondia ao oeste de um continente. Aquelas terras do mundo que receberam o influxo desta civilização compõem hoje o Mundo Ocidental, e são tão geograficamente dispersas quanto a América Latina e a Nova Zelândia. Mas precisamos recuar dois mil anos no tempo para levantar o gênese deste mundo.
O senso comum é que a Civilização Ocidental possui quatro pilares: a herança greco-romana, origem dos idiomas, das instituições e da filosofia, e a herança judaico-cristã, origem das crenças e valores. Mas como esses pilares se uniram não é tão fácil explicar. Mesmo porque, em sua origem, eles eram bastante disjuntos. A primeira noção de um ocidente oposto a um oriente vem a surgir na Grécia de cinco séculos antes de cristo, época das guerras contra os persas. Na visão dos gregos, os persas constituíam não apenas seu inimigo, mas também uma anti-civilização, oposta em tudo à helênica. Assim, o mundo dos bárbaros passou a ser o oriente. Para a porção ocidental da Europa além da Grécia, contudo, essa dicotomia ainda não fazia sentido.
Após a conquista romana, a Grécia passou a ser o oriente. Roma era o ocidente. Mas como é norma acontecer nos casos em que a superioridade militar não corresponde a uma superioridade cultural, os romanos assimilaram o legado cultural dos gregos, e as duas civilizações se fundiram. Temos aí os dois primeiros pilares fincados. Mas o norte da Europa nada tinha a ver com o mundo greco-romano; sua civilização era peculiar, e eram considerados tão diferentes quanto os povos da Ásia Menor. Como foi que essa porção do mundo se incorporou ao contexto civilizacional greco-romano, formando a Europa como hoje a conhecemos? Ironicamente, foi graças aos bárbaros da Ásia Menor, devido a uma religião por eles difundida. Inicialmente, a conquista militar só incorporou ao mundo romano o oeste da Europa, mas quando Roma já não tinha a força militar, sua civilização passou a difundir-se por meio da religião à qual se haviam convertido, o cristianismo.
Penso eu, se a herança greco-romana forneceu as pedras da construção, a herança judaico-cristã foi o cimento que as uniu. Uma religião que incorpora uma ética lida com crenças íntimas, onde se encontram as convicções mais profundas do homem do povo. Pode ser difundida pela força, mas também, e mais eficazmente, pela persuasão. Missionários propagam uma civilização de forma mais rápida, limpa e completa do que legionários ou mercadores. Não foi à toa que para a conquista do Novo Mundo, padres e pastores desempenharam um papel essencial. Mas afinal como foi que uma religião vinda do oriente, totalmente estranha aos valores romanos, foi aceita por este povo que desprezava os orientais como bárbaros?
Esse é um dos grandes mistérios da História, ainda não totalmente explicado. A combinação de componentes tão opostos quanto o politeísmo romano e o monoteísmo judaico, a filosofia grega e o dogmatismo cristão, não se deu em um instante, nem foi isenta de luta. Foi assim como uma reação química fulminante, que combina ingredientes imisturáveis e produz um composto totalmente distinto. O processo inteiro levou cerca de cinco séculos, e na maior parte do tempo distinguiu-se mais por estranhamento do que por adesão.
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