Hão de reconhecer que sou bem criado. Podia entrar aqui, chapéu à banda, e ir logo dizendo o que me
parecesse; depois ia-me embora, para voltar na outra semana. Mas, não senhor; chego à porta, e o meu
primeiro cuidado é dar-lhe os bons dias. Agora, se o leitor não me disser a mesma cousa, em resposta, é
porque é um grande malcriado, um grosseirão de borla e capelo; ficando, todavia, entendido que há leitor
e leitor, e que eu, explicando-me com tão nobre franqueza, não me refiro ao leitor, que está agora com
este papel na mão, mas ao seu vizinho. Ora bem!
Feito esse cumprimento, que não é do estilo, mas é honesto declaro que não apresento programa. Depois
de um recente discurso proferido no Beethoven, acho perigoso que uma pessoa diga claramente o que é
que vai fazer; o melhor é lazer calado. Nisto pareço-me com o principie (sempre é bom parecer-se a gente
com príncipes, em alguma cousa, dá certa dignidade, e faz lembrar um sujeito muito alto e louro
parecidíssimo com o imperador, que há cerca de trinta anos ia a todas as festas da Capela Imperial, pour
étonner de bourgeois; os fiéis levavam a olhar para um e para outro, e a compará-los, admirados, e ele
teso, grave, movendo a cabeça à maneira de Sua Majestade. São gostos de Bismark. O príncipe de
Bismark tem feito tudo sem programa público; a única orelha que o ouviu, foi a do finado imperador, — e
talvez só a direita, com ordem de o não repetir à esquerda. O parlamento e o país viram só o resto.
Deus fez programa, é verdade ("E Deus disse: Façamos o homem, à nossa imagem e semelhança, para
que presida" etc. Gênesis, I, 26): mas é preciso ler esse programa com muita cautela. Rigorosamente, era
um modo de persuadir ao homem a alta linhagem de seu nariz. Sem aquele texto, nunca o homem
atribuiria ao Criador, nem a sua gaforinha, nem a sua fraude. É certo que a fraude, e, a rigor. a gaforinha
são obras do diabo, segundo as melhores interpretações; mas não é menos certo que essa opinião é só dos
homens bons; os maus crêem-se filhos do céu — tudo por causa do versículo da Escritura.
Portanto, bico calado. No mais é o que se está vendo; cá virei uma vez por semana com o meu chapéu na
mão, e os bons dias na boca. Se lhes disser desde já, que não tenho papas na língua, não me tomem por
homem despachado, que vem dizer coisas amargas aos outros. Não, senhor, não tenho papas na língua, e é
para vir a tê-las que escrevo. Se as tivesse, engolia-as e estava acabado. Mas aqui está o que é, eu sou um
pobre relojoeiro, que, cansado de ver que os relógios deste mundo não marcam a mesma hora, descri do
ofício. A única explicação dos relógios era serem igualzinhos, sem discrepância: desde que discrepam,
fica-se sem saber nada, porque tão certo pode ser o meu relógio, como o do meu barbeiro.
Um exemplo. O Partido, Liberal, segundo li, estava encasacado e pronto para sair com o relógio na mão,
porque a hora pingava. Faltava-lhe só o chapéu, que seria o chapéu Dantas, ou o chapéu Saraiva (ambos
da chapelaria Aristocrata): era só pô-lo na cabeça, e sair. Nisto passa o carro do paço com outra pessoa, e
ele descobre que ou o seu relógio está adiantado, ou o de Sua Alteza é que se atrasara. Quem os porá de
acordo'?
Foi por essas e outras que descri do oficio; e. na alternativa de ir à fava ou ser escritor, preferi o segundo
alvitre; é mais fácil e vexa menos. Aqui me terão, portanto, com certeza até à chegada do Bendegó, mas
provavelmente ate à escolha do Sr. Guaí, e talvez mais tarde. Não digo mais nada para os não aborrecer, e
porque já me chamaram para o almoço.
Talvez o que ai fica, saia muito curtinho depois de impresso. Como eu não tenho hábito de periódicos,
não posso calcular entre a letra de mão e a letra de forma. Se aqui estivesse o meu amigo Fulano (não
ponho o nome, para que cada um tome para si esta lembrança delicada), diria logo que ele só pode
calcular com letras de câmbio —trocadilho que fede como o diabo. Já falei três vezes no diabo em tão
poucas linhas, e mais esta, quatro; é demais.
1) Explique de maneira breve a maneira como Machado de Assis aborda o contexto da abolição da escravidão.
2) Quais as considerações que o autor faz sobre o leitor no início do texto? *
3 Defina a linguagem utilizada pelo autor. *
4) O autor acha importante declarar suas intenções em relação aos textos que irá produzir? De acordo com o artigo estudado explique o porquê. *Sua resposta
Soluções para a tarefa
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