Globalização e corona vírus, tem alguma ligação?explique
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Explicação:
O primeiro impacto do novo coronavírus na economia global foi a paralisação das indústrias chinesas. De carros a iPhones, as cadeias de produção mais variadas espalhadas pelo planeta passaram a sofrer um choque inesperado, provocado pelo organismo microscópico que escapou do mercado de animais na cidade chinesa de Wuhan.
Microorganismos não têm passaporte, ignoram fronteiras. Uma vez num país, espalham-se seguindo tão-somente as leis da natureza. O combate à ameaça que representam à humanidade exige ação global, mas não pode prescidir de medidas adotadas localmente. Dessa tensão decorrem dúvidas ainda sem resposta sobre a Covid-19. Para além do choque inicial, qual será o impacto dela na globalização? Que tipo de efeito terá nos movimentos nacionalistas que têm ganhado força no mundo?
Parece evidente que, num primeiro momento, protecionismo e nacionalismo ganharam força. Não há maior prova disso que o presidente Donald Trump fechando as fronteiras americanas a viajantes da União Europeia (UE).
A medida não tem o menor sentido do ponto de vista epidemiológico, já que o o vírus está mais disseminado nos Estados Unidos que em vários países europeus (e residentes legais continuarão a poder furar o bloqueio). Mas segue a lógica política ditada pelo nacionalismo trumpista (do contrário, como explicar que o Reino Unido tenha sido inexplicavelmente deixado de fora do veto?).
Por mais que medidas de controle sejam justificadas enquanto a doença não está instalada localmente, a visão do novo vírus como um “invasor estrangeiro” ou um “perigo chinês” serve de alimento a ideologias nacionalistas e até ao racismo puro e simples.
A pandemia também revelou o risco da confiança nas cadeias globais de produção e fez ressurgir o protecionismo. Antes mesmo da crise do coronavírus, o governo Trump já promovia uma guerra comercial contra a China, cujo objetivo era o “desacoplamento” das duas economias que funcionaram como motor do crescimento global nas últimas décadas. As dificuldades práticas dessa meta ficaram óbvias quando a China se viu obrigada a interromper a produção, paralisando as cadeias globais.
Tais dificuldades não representam, contudo, empecilho ao ímpeto protecionista. Ao contrário, a pandemia deu força ao nativismo comercial. A Índia restringiu a exportação de medicamentos. Quando a Itália pediu ajuda à UE em nome do plano unificado de combate a pandemias, foi a China que se dispôs a fornecer máscaras e equipamentos médicos aos italianos. Até o francês Emmanuel Macron, tido como “globalista” nas esferas da direita nacional-populista, proibiu a exportação de máscaras para que não faltem aos franceses.
Os limites ao protecionismo são evidentes. Mesmo que indústrias abandonem a China ao final da crise, o mais provável é que tentem se instalar noutros países que ofereçam condições favoráveis, como Vietnã, Turquia ou na Europa Oriental. Empresas que toparem encarar o altíssimo custo de produção nos Estados Unidos ou na UE na certa apostarão mais em robôs que na geração de empregos.
A própria pandemia tem revelado quão contraditório – e ridículo – é o discurso anticientífico adotado pelos nacionalistas. Na Itália, onde a mortalidade é a maior entre os países mais afetados, o vírus se espalhou em parte por causa do desleixo do governo da Lombardia, hoje nas mãos da direita nacionalista de Matteo Salvini.
Nos Estados Unidos, Trump diz que os americanos são os “melhores do mundo” no combate ao vírus, mas foi incompetente para implementar a medida mais importante para controlar a pandemia: testes disseminados pelo país. Enquanto a Coreia do Sul tem testado 10 mil pessoas por dia e, graças a isso, reduzido o número diário de casos, oficialmente os americanos testaram 11 mil desde janeiro.
No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro desdenhou o risco do vírus e resistiu quanto pôde a pedir o cancelamento dos atos de apoio a ele previstos para domingo. Até que não deu mais. Por ter mantido contato com um infectado, foi submetido a teste, depois apareceu de máscara numa transmissão ao vivo pedindo que os atos sejam “repensados”.
Não há como nacionalistas da estirpe de Salvini, Trump ou Bolsonaro deixarem de pagar o preço dessas contradições, nem do desprezo pela ciência, num momento em que ela se tornou o fator mais importante para o futuro político deles. Mas também é impossível negar que a globalização também será atingida pelo vírus.
Os países de maior sucesso no combate à pandemia – Cingapura, Hong Kong ou a própria China – fazem parte daquilo que o acadêmico Bruno Maçães chama de “cosmópole de Confúcio”. De acordo com ele, o coronavírus tem demonstrado a eficácia maior do modelo chinês sobre o americano para lidar com os desafios sociais e tecnológicos do novo milênio. É uma tese discutível. Maçães tem, de todo modo, razão numa conclusão: “O mundo parecerá muito diferente do outro lado do túnel em que acabamos de entrar”.