Ganhei muitas flores no aniversário. E um
binóculo, da Ângela, que vive de pesquisas históricas.
Só mesmo uma historiadora para ter uma ideia dessas.
Os historiadores gostam de ver tudo de perto.
Principalmente fatos distantes.
As flores murcharam, à média distância. E o
binóculo ali, na mesinha a me observar. Bonito,
prateado. Deve ter custado caro. Claro que quem dá
um binóculo para uma pessoa como eu, solteiro e
rodeado de prédios e janelas tentadoras e indiscretas,
tá mais afim é de me ver procurando mulher pelada.
Todo mundo sabe que a única finalidade do binóculo é
o peito nu da vizinha. Foi inventado em 1645 com essa
primordial finalidade. O meu filho viu a peça, pegou.
Todo mundo que vê um binóculo, pega. E procura a
janela. Depois me informou que luneta é melhor.
Melhor, pra quê? Li o manual de instruções, em
alemão. Entendi tudo, porque tinha desenhinho.
Ainda bem que era alemão, porque é impossível
entender qualquer manual de instruções em
português. Não é? Experimente, um dia, trocar o pneu
do seu carro, lendo o manual de instruções.
Experimente. Melhor não experimentar. Dá pra ver o
guarda-joias da vizinha da direita.
Há uma semana, comecei a usar o binóculo.
Minha vida nunca mais seria a mesma. Vicia. Esse
troço devia ser proibido. Hitchcock, o mago do
suspense, sabia disso. O que seria daquela janela sem
o binóculo?
A empregada do oitavo andar (prédio da frente),
por exemplo, não era bem o avião que eu sempre
imaginei. Além da falta de um canino, tem um joanete
descomunal, posto em observação quando ela se
senta na mureta para limpar os vidros. Os peitinhos,
razoáveis. Não raspa a perna.
Já aqui no prédio da esquerda, no quinto andar,
o casal vai mal. Infelizmente o meu binóculo não é
sonoro, mas pela movimentação *elisiana dos braços
e mãos da mulher, a coisa vai de mal a pior. O marido
não fala nada. Ouve. Há cinco dias que ele ouve.
Enquanto isso, no quarto de empregada, a residente lê
Caras, com caras e bocas.
No andar de cima, aquele aposentado (sim, não
sai de casa nunca) faz palavras cruzadas (nível fácil) o
dia inteiro. Na piscina, a mais gostosa é mesmo a
loiraça do décimo primeiro que só faz malhar. Casada
– vejo daqui a aliança –, está sempre com o
desempregado do quinto, também de aliança.
Venho torcendo para rolar alguma coisa – afinal,
a cama dela possibilita boas imagens aqui do meu
potente Tasco (é a marca dele). Acho que vai rolar.
Mulher, quando ri muito das besteiras dos homens,
está a um passo de perguntar o horóscopo, o que,
como você sabe, é propor eminente e iminente
sacanagem.
Mas como!? Aquela que briga com o marido
está, neste momento, fazendo uma mala. Dela? Dele?
Ele não está em casa. Ela joga tudo dentro. Agora dá
pra ver. São roupas de homem. Meu Deus, quando ele
chegar (sempre por volta das oito) a coisa vai ficar boa.
É só apagar todas as luzes do meu apartamento, virar
a poltrona e esticar o pescoço e as lentes. E um pouco
de imaginação.
O casal gay da direita, terceiro andar, é
felicíssimo. Jantam, veladamente, à luz de velas. Um
exemplo para o casal que mora no andar de cima:
jovem, constituído de homem e mulher. Ela tem
sistema nervoso, como diria a minha empregada. Não
sei se ainda há algum prato na casa dela. Outro dia um
voou até pela janela, indo atingir a perna do filho do
zelador, lá embaixo. Veio polícia e tudo, mas não
descobriram de onde partiu o prato. Eu fiquei na minha.
Tudo ia bem na minha vida até que descobri que
o adolescente do décimo primeiro, da direita, tem uma
fantástica luneta, direcionada diretamente para a
minha janela. Isso foi o bastante para que eu fizesse
um levantamento de todas as minhas realizações aqui
na sala, de um mês para cá, e ficasse meio
envergonhado. E o bastante também para que
fechasse todas as janelas.
E agora a situação está assim. Basta eu abrir um
pouco a janela e olhar, que ele está lá, a postos,
seguindo a minha vida.
Eu aqui escrevendo e o garoto lá, me olhando.
Vai virar cronista, quando crescer.
* De Elis Regina, que no início da carreira, cantava
girando os braços como se fossem hélices.
(Publicado originalmente no livro Minhas Tudo, de 1994)
(PRATA, Mário. Binóculo. In: WERNECK, Humberto. Boa
companhia: crônicas. São Paulo: Companhia das Letras,
2005)
3- O binóculo revela ao cronista algumas verdades
indesejadas. Cite uma delas.
Soluções para a tarefa
Respondido por
0
Resposta:
tava cassando ela mas mm acheiiiiiiiii
Explicação:
deaculpa mm acheiiiiiii
Perguntas interessantes
História,
7 meses atrás
História,
7 meses atrás
Inglês,
7 meses atrás
Direito,
8 meses atrás
Administração,
8 meses atrás
Matemática,
1 ano atrás
Filosofia,
1 ano atrás
Administração,
1 ano atrás