Fale sobre etnobiologia, etnociências, Etnocologia, povos indígenas, quilombolas e povos tradicionais no Brasil e sua relação com a agroecologia.
Soluções para a tarefa
até a década de 1980, era considerada como um problema e uma ameaça para a
natureza, ou seja, algo a ser evitado independentemente das características culturais
dos grupos sociais envolvidos.
Muitas AP, no entanto, vêm sendo habitadas ancestralmente por povos tradicionais
cujos usos pré-existentes dos territórios e valores culturais nem sempre foram
considerados, resultando em processos de gestão impositivos e conflituosos frente
às necessidades e interesses das populações locais. Em diversos contextos foram
implementados mecanismos para a realocação de comunidades para fora dos limites
dessas áreas ou, alternativamente, imputadas severas restrições às suas práticas
produtivas, inviabilizando a manutenção dos modos de vida tradicionais (BELTRÁN,
2000; STEVENS, 1998).
Essa situação não representa casos pontuais ou excepcionalidades, uma vez que
se estima que cerca de 70% das AP do mundo seja ocupada ou utilizada regularmente
por povos tradicionais, uma proporção que na América Latina pode alcançar 80%
(DOWIE, 2011). Por esse motivo, apesar da importância das AP para a conservação
da natureza, a existência de muitas áreas tem sido contestada por grupos sociais
que vivem em seu entorno e criticada por seus impactos negativos sobre populações
locais (BENSUSAN, 2014; DUDLEY et al., 2014; IRVING, 2010).
Além disso, a gestão dessas áreas tem sido pautada historicamente, por
conhecimentos técnico-científicos oriundos principalmente das denominadas Ciências
Naturais. Critérios em grande parte racionalistas, economicistas e utilitaristas que
contribuem para sustentar uma visão biologizada e desumanizada da natureza,
contribuindo para o fortalecimento da visão de mundo natural destituído de sua face
social (FERNANDES-PINTO, 2017).
Nas últimas décadas, no entanto, novas perspectivas em políticas públicas têm
sido construídas contemplando a noção de interdependência entre cultura e natureza,
notadamente com relação à garantia dos direitos territoriais dos povos indígenas e
outros grupos tradicionais e a valorização de seus conhecimentos nas estratégias de
conservação – como nos artigos 8j e 10c da CDB (1992) e na Declaração Universal
dos Direitos dos Povos Indígenas (2007).
Nesse contexto, a compreensão e o reconhecimento da ligação profunda
existente entre determinados grupos humanos e a natureza vêm sendo enfatizados
como uma questão fundamental para que se possa evitar ou superar os conflitos entre
os esforços governamentais de conservação e as necessidades e os interesses das
populações locais. Perspectivas mais inclusivas do papel da sociedade na gestão das
áreas protegidas vêm sendo denominadas de um novo paradigma de conservação da
natureza (PHILLIPS, 2003), refletindo na proposição de políticas públicas que buscam
valorizar uma leitura integrada da diversidade biocultural – um conceito mais holístico,
dinâmico e integrador (MAFFI & WOODLEY, 2010).
No Brasil – um país que conjuga uma das maiores riquezas biológicas do mundo
a uma expressiva pluralidade sociocultural – essas questões ainda se traduzem