fale sobre a relação territorio e desenvolvimento
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As transformações ocorridas no Brasil nos anos 1980 e 1990, tais como o processo de redemocratização do pa-ís, a descentralização fiscal e o reconhecimento dos municípios como entes federativos, a partir da Constituição Federal de 1988, aliadas ao aumento das desigualdades estruturais internas nas diversas porções do território nacional fazem emergir novas formas de pensar e agir no campo das políticas públicas.
Nesse contexto, e como reflexo dele, as políticas públicas, especialmente aquelas destinadas à promoção do de-senvolvimento, outrora caracterizadas pelo centralismo financeiro e decisório no plano federal, passaram a ser mais descentralizadas, ou seja, deixaram de ser formuladas de cima para baixo, com base no planejamento na-cional, e passaram a se originar nos planos regional e local. Isto implica dizer que o enfoque sobre a dimensão territorial ou escala espacial para a concepção e implementação de políticas e programas de desenvolvimento passa, principalmente, para o plano local.
Se por um lado houve a revalorização do território e da dimensão espacial do desenvolvimento, notadamente a local, por outro parece ter se consolidado uma visão cega, uma espécie de romantismo ou "pensamento único localista" (p. 36). Verifica-se, assim, uma concepção do local como espaço privilegiado de intervenção política para a solução de todas as mazelas socioeconômicas, em detrimento das demais escalas territoriais. É como se o local tudo pudesse, "dependendo de sua vontade de auto-impulso" (p. 39) para promover um virtuoso processo desenvolvimento.
À concepção localista sobre o desenvolvimento complementam-se as idéias de inserção dos espaços locais ao espaço econômico global, engendrando a polarização local-global desse processo. Nessa lógica, as escalas in-termediárias entre o local e o global - microrregional, mesorregional, macrorregional e nacional - são descon-sideradas ou perdem importância na articulação para a promoção do desenvolvimento.
Recorrendo à história - e interrogando-a, conforme defendia Celso Furtado - para compreender a formação es-pacial brasileira, as heterogeneidades e vulnerabilidades estruturais e o processo que fez do Brasil um país sub-desenvolvido, Brandão afirma que o país só sairá dessa condição de malformação estrutural a partir da constru-ção de uma política nacional de desenvolvimento, apontando, ainda, para as limitações das abordagens excessi-vamente localistas e endogenistas para esse fim. Faz-se necessário reconstruir a escala nacional, elaborando, contudo, políticas públicas e ações transversais nas demais escalas, que deverão ser devidamente articuladas e integradas pelo Estado para a efetivação de um projeto de desenvolvimento, levando-se em consideração as pe-culiaridades de cada porção do território brasileiro, a diversidade e as assimetrias existentes entre elas.
Nesse sentido, Brandão propõe uma abordagem transescalar do desenvolvimento, que pode ser concretizada, na prática, por meio da consolidação de um novo pacto federativo entre os níveis de governo. Assim, busca-se "ar-ticular horizontalmente os atores institucionais de uma mesma região e integrar verticalmente as diferentes es-calas político-administrativas" (p. 209), de forma que viabilize "modos de pensar e agir capazes de produzir e-fetivas transformações das estruturas sociais, em todas as escalas" (GOULART, VIEIRA E CARVALHO, 2005, p. 70).
O maior desafio das políticas públicas nacionais de desenvolvimento parece ser, portanto, consolidar a "descen-tralização coordenada", considerando as múltiplas escalas e evitando a atomização das ações (BACELAR, 2006), pautando-se numa "combinação de relações geográficas verticais e horizontais" (SAQUET, 2007, p. 112) para alargar os horizontes de possibilidades dos cidadãos brasileiros, promover inclusão social, reduzir as desigualdades estruturais internas, ativar as potencialidades da diversidade social, econômica e cultural do terri-tório e reduzir o grau de dependência externa do país.
É preciso, portanto, um novo modelo de desenvolvimento nacional, considerando e trabalhando conjuntamente e de forma articulada as escalas local, microrregional, marcrorregional e nacional, que nas últimas décadas vêm sendo esquecidas pela literatura e pelos formuladores de políticas públicas, sem, contudo, perder de vista a in-tegração do país à escala global. Essa parece ser a melhor maneira, segundo Brandão, de darmos continuidade à construção do Brasil, que há muito tempo foi interrompida, para que assim tenhamos um novo e promissor a-manhecer.