Explique o papel do sincretismo religioso afro-brasileiro na resistência à escravidão.
Soluções para a tarefa
Neste sentido podemos citar algumas matrizes religiosas presentes no território brasileiro na época da chegada dos europeus, praticadas pelos povos Tupis, Guaranis, Tamoios, Caiapós entre outros. Com a colonização, tem-se a chegada das cristãs católicas, judaicas, cristãs protestantes, cristãs kardecistas, islâmicas, budistas etc., assim como as africanas representadas pelos povos Bantu, Yorubá, Fons, Malês e outros. Cabe ressaltar que, no Brasil, mesmo antes da noção de sincretismo, povos e culturas se influenciaram de forma direta, por imposição dos colonizadores, ou indireta, como forma de garantia da interação do sagrado com o humano.
Sabemos que a matriz religiosa católica foi inicialmente a religião oficial do país, impondo por meios institucionais sua presença e convertendo à força aqueles que professavam outras práticas religiosas. Contudo, isso não deu conta de aniquilar as outras matrizes religiosas, enquanto expressão irreprimível cultural e social. Com efeito, várias crenças se difundiram na mesma medida que as miscigenações étnicas, o que favoreceu a emergência de cultos mistos em diversas tradições religiosas.
Na tentativa de organizar didaticamente os principias tipos de sincretismos no Brasil, é possível pensar nas bricolagens cristã-indígena, cristã-africana, indígena-africana. Da bricolagem cristã-indígena temos o curandeirismo mestiço por meio da junção do uso das rezas cristãs concomitantemente com o de ervas indígenas nas práticas de benzer. Isto, não como forma de suprir alguma falta, mas de interação com as práticas cristãs que eram reforçadas com o uso de símbolos como o terço e gestos, como a imposição de mãos e o sinal da cruz, entre outros. Elementos estes que de alguma forma tornavam, no entendimento dos curandeiros, suas práticas mais fortes e eficazes, assim como menos desviantes do cristianismo imposto.
Já a bricolagem cristã-africana, acontecida sobre a égide da Igreja Católica, inicialmente legitimava a escravidão como forma de salvar a alma dos negros trazidos da África. Proibiram-se as práticas religiosas, o uso dos dialetos e dos saberes diversos como o culto à natureza, que os africanos traziam. E foi como enfreamento disso que o sincretismo se constitui. Os negros “convertidos” passaram a utilizar o conhecimento cristão adquirido na convivência com seus escravizadores para estabelecer analogias e superpor os santos católicos às divindades africanas, associando as características de ambos. Assim Nossa Senhora de Santana, a avó de Jesus, foi associada à Nanã, a Orixá mais velha. Santa Barbara a Oyá, uma orixá guerreira, forte e temida do panteão Yorubá. Fizeram isto na tentativa de se conseguir esconder o verdadeiro culto aos Orixás. Este sincretismo esteve sujeito a variações de acordo com a região do Brasil. Como o que ocorre com Oxóssi, que na Bahia é São Jorge e no Rio de Janeiro é sincretizado por São Sebastião. Lembramos que as religiões africanas no Brasil são diaspóricas, foram arrancadas de sua terra pela escravidão e tiveram que se adaptar a um novo país e à convivência entre grupos étnicos negros que pouco conviviam na África. Assim, mesmo antes do sincretismo com o catolicismo, houve sincretismo entre diferentes religiões africanas da diáspora.
Por fim, o sincretismo indígena-africano se dá por meio da criação dos Quilombos, onde os índios e africanos passaram a trocar suas tradições sobre a natureza e o culto a seus Deuses e Orixás. Com efeito, o culto aos caboclos, chefes indígenas, foram incorporados pelos africanos de origem bantu em alguns de seus cultos no Brasil, fato que propiciou o aparecimento dos candomblés de angola-caboclos. Em dinâmicas de vivências similares a estas surgem outras formas de sincretismo em solo brasileiro como a Pajelança, o Tambor de Mina, a Jurema, o Reinado ou Congado, as Marujadas e outros.
Uma forte expressão do sincretismo brasileiro é a Umbanda, uma religião que tem muitas matrizes religiosas e consegue, ainda em dias atuais, incorporar cada vez mais outras tantas; como é o caso da Umbanda Esotérica ou da Umbanda-Daime, que trazem em suas práticas elementos que vão para além das matrizes africanas, indígenas e católicas.
O que se pode perceber é que o sincretismo em sua primeira finalidade, a de desviar a atenção sobre os cultos religiosos africanos, com o passar dos séculos perdeu esta função. Na atualidade as bricolagens entre santos católicos e Orixás estão imbricadas no senso comum de tal forma que uma separação é quase impossível. Alguns grupos de representantes de religiões afro-brasileiras são contra a manutenção de referências sincréticas, “Ogum não é São Jorge”, por entender que isto é um resquício desse passado de dominação.