Geografia, perguntado por luizcarlosdrim, 1 ano atrás

Existe algo em comum entre o que diz o esquema e a letra da canção? Existe divergencias na visão de cada um?

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Respondido por ToyChicadeMáscara
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Tempo. Grandeza física que permite medir a duração ou a separação das coisas mutáveis, numa definição que de meramente física já tem em si muito de filosófica, ao incluir intrínseca – e não poderia ser de outro modo – a ideia da mudança. E no entanto, é tão insuficiente, por não ser capaz de abarcar a infinita variedade humana de percorrê-lo (nem falo das mudanças do conceito dentro da própria física, desde Eistein, que considerava o tempo uma ilusão). Pois tão ou mais importante quanto uma definição específica de algo impossível de segurar ou parar é compreender ao menos um pouco nossa relação com ele.

O tempo é um deus. Ou vários. Cronos, criado pelos gregos padroeiros da civilização ocidental (correspondente ao Saturno para os romanos, temível na astrologia por atuar na desestruturação muitas vezes dolorosa da esfera da vida por onde passa), era filho de Urano, o céu, e Geia, a terra, o mais novo dos Titãs. Tomou o poder castrando o pai a pedido da mãe, e tornou-se o todo poderoso em seu lugar. Para impedir os filhos de ameaçarem seu poder, os devorava. Mas Reia, sua irmã e esposa, o engana dando-lhe uma pedra envolta em lençóis no lugar de seu filho Zeus, que, adulto, destrona o pai e o expulsa do Olimpo, adquirindo com isso a imortalidade, ele e seus irmãos, que se tornam, filhos do Tempo, a corte celestial.

Este percurso mitológico é tão carregado de simbolismos que daria para esquecer as canções em pauta e se dedicar só a ele. Mas é bom lembrar que esta visão do tempo, em que está implícita a ideia da finitude, é uma base fundamental do nosso pensamento (sim, os gregos também têm Kairós, que simboliza uma outra visão de tempo, mas que não permaneceu no nosso imaginário com a mesma força). O Cristianismo, via Santo Agostinho, apropria-se da filosofia grega para falar do Juízo Final, o Fim dos Tempos. E a música ocidental (o salto de pensamento pode parecer abrupto, mas lembremos que a música ocidental foi forjada a partir dos cantos litúrgicos, recitações do texto sagrado que se converteram paulatinamente em som musical) carrega em si a mesma ideia, implícita na própria noção de tonalidade: a viagem partindo de uma acorde de tônica, para se aventurar em tons estranhos até a volta para casa do Filho Pródigo (ou de Ulisses), agora transformado e ressignificado, de Adão expulso do Paraíso, da Humanidade que se reencontrará com o Pai por intermédio do Cristo na redenção final. Afinal, qualquer canção, por profana que seja, historicamente repete em sua estrutura este trajeto. Toda canção é um microcosmo do Tempo.

Mas esta não é a única visão possível do Tempo. Ao lado do tempo finito ocidental, a visão oriental do tempo (faço aqui uma generalização / estigmatização óbvia entre Ocidente e Oriente, e desde já reconheço suas incompletudes. Mas prossigo mesmo assim.) o trata de forma muito diversa; A visão reencarnacionista do budismo e do hinduismo incluem a noção de um tempo cíclico e menos definido, em que a ancestralidade se faz presente agora, em que a repetição não é um mal e sim uma forma de atingir o transcendente. E assim como a música ocidental é um espelho de sua concepção de tempo, a música do Oriente, com seus ragas e mantras, baseia-se na repetição, repetição, repetição, com infinitas e micrométricas (ou microtonais) variações. Não se trata de contar uma história com começo, meio e fim. A seu modo, esta música também repete em sua estrutura o tempo – um outro tempo. Também é um seu microcosmo. E ambas as visões se prestam, em primeira ou última instância, a provocar uma transformação no ouvinte – uma pela vivência, outra pela transcendência. Uma pela história, outra deixando de lado a história.

As canções de que trato aqui trazem em si diálogos entre dois tempos, o finito e o cíclico, assim como a dupla significação orixá / tempo propriamente dito perpassa ambas. Pois o Tempo a que elas se referem pode ser Cronos, o ocidental, mas é efetivamente Iroko. Ou Loko. Ou Kindembu. Pois o tempo é vário. Estes são divindades do Candomblé (orixá para os queto, vodum para os gêge e inquice para os bantu, respectivamente), de origens diversas, mas com diversos pontos em comum. Os dois primeiros são associados a (ou habitam) árvores, sendo no Brasil a gameleira. O ciclo de vida de uma árvore, lembremos, é bem diferente dos animais, e, dependendo da espécie, algumas podem viver mais de mil anos (a gameleira pode ultrapassar 200). Os ciclos das estações se espelham nas árvores, assim como ficam marcados nos círculos concêntricos internos ao tronco. Iroko teria sido, numa versão, a única árvore sobrevivente no planeta após uma seca resultante da disputa entre Céu e Terra, e em outra seria a primeira árvore plantada e pela qual todos os restantes Orixás desceram à Terra. Nos dois casos, há uma significação de origem – com pontos correlatos a Cronos. Nos três deuses, uma associação com a ancestralidade.

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