EU SEI, MAS NÃO DEVIA
1 Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
2 A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as
janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque
não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as
cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece
o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
3 A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café
correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da
viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite.
A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
4 A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os
mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas
negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra,
dos números, da longa duração.
5 A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir
para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser
visto.
6 A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para
ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar.
E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais
trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.
7 A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar
a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado,
conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
8 A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À
luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que um os olhos levam na luz natural. Às bactérias da
água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não
ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher
fruta no pé, a não ter sequer uma planta.
9 A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não
perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema
está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está
contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a
gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que
fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.
10 A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma
para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A
gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto
acostumar, se perde de si mesma.
Autora: Marina Colasanti
Compreensão e análise textual
1)quantas orações apresenta o primeiro parágrafo?
Alguém aqui nessa plataforma pode me ajudar é urgente
Soluções para a tarefa
Respondido por
1
Resposta:
1 Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
- Contém duas orações.
1.ª Eu sei que a gente se acostuma
2.ª: (contém a conjunção coordenativa adversativa "mas"): mas não devia
A oração coordenada Mas não devia pode ser classificada em: oração coordenada adversativa.
Espero ter ajudado
vitoriamatiasdequeir:
moça muito mais muito obrigado por vc ter me ajudado
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