Português, perguntado por educarlostorres, 6 meses atrás

Estou querendo uma crônica argumentativa relacionado a fome com 15 linhas

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Respondido por vivian28452
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Domingo, 13 de dezembro de 2020

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Crônica: o abismo da fome e a fome de justiça

João Marcos BuchJoão Marcos Buch

Juiz de Direito Quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Crônica: o abismo da fome e a fome de justiça

Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ

– Alguém por favor atenda, estão batendo palma na frente de casa novamente.

– Deixa que eu atendo desta vez.

Estávamos na primeira semana de janeiro de 2018. Junto de minha família eu passava a temporada de verão na praia, como era tradição desde os tempos dos meus avós. Nessa época era comum pessoas, buscando ganhar o pão de cada dia, passarem de casa em casa oferecendo produtos e serviços. Mas nós já não necessitávamos de mais nada e apenas atendíamos e dispensávamos os mercadores. Naquela ocasião, eu me ofereci ao atendimento.

– Pois não, o que desejam? – perguntei a um casal postado em frente ao portão, abaixo de um impávido sol do meio dia.

– Gostaríamos de saber se tem algum resto de comida para levarmos para casa – disse o homem com humildade, ao lado da mulher que envergonhadamente olhava para os lados.

– Sim, tem sim, e não é resto.

Ao tempo em que respondia, surpreso com um pedido assim tão direto, eu olhava para os dois, que não aparentavam ser pessoas em situação de rua. Porém, eram claramente vulneráveis. Entregamos todas as sobras de comidas da geladeira e do freezer, mais alguns alimentos frescos. Alguns o casal saboreou ali mesmo, levando a maior parte embora como planejado.

Mais tarde, conversando sobre o episódio, lembrei duma situação que havia vivido no trabalho pouco antes do recesso de final de ano. Num dia da semana qualquer tinha estado pela manhã no Presídio. Lá, depois de adentrar nas galerias como sempre fazia e perceber que a superlotação ainda estava grave, que a falta de estrutura perdurava e que problemas sérios de saneamento continuavam a existir, reuni-me com representantes dos detentos e com a direção prisional para outra vez, mais uma vez, numa teimosia que não me deixa desistir, tratarmos das condições de vida no complexo.

Entre muitas questões, de visita familiar, trabalho e estudo (os 800 detentos do Presídio, ao contrário dos da Penitenciária, nada obstante cumprirem penas às centenas, não tem acesso a trabalho algum e tampouco a estudo) a atendimento à saúde, houve o momento em que discutimos sobre a alimentação. Pediam os detentos por uma cota maior de alimentos no jantar, pois estavam passando fome, uma vez que ele era servido às 17h e depois disso apenas às 7h da manhã do dia seguinte é que recebiam novo alimento, no café da manhã. Além disso, a reclamação também envolvia o café, que estava chegando nas celas frio e fraco, com resíduos.

Disse aos detentos que exigiria da empresa contratada pelo estado para o serviço que melhorasse a qualidade do produto e que oficiaria ao Promotor de Justiça, pois era a pessoa competente para fiscalizar a situação. A partir dali a conversa, que sempre se manteve cordial e respeitosa, ficou mais amena. Retornei ao Fórum no início da tarde e sem tempo para me sentir cansado, porque esse era um capricho que numa Vara de Execução Penal em final de ano não é apropriado, encaminhei as diretrizes resultantes da inspeção prisional.

No final do expediente, outro fato envolvendo alimentação ocorreu. Entre as várias decisões e despachos do dia, mandei soltar oito apenados com direito à progressão ao regime aberto ou regime domiciliar. Quando é um número desses eu sempre peço que os tragam ao Fórum ao mesmo tempo e os reúnam na sala de audiências. Então, antes da soltura eu explico a decisão de cada um, o que eles precisam fazer, como se reportar com dúvidas e como sempre devem seguir o que a justiça mandar etc. Também dou alguns conselhos, mas sem ar professoral. Apenas tento explicar sobre a vida fora da prisão, coisa que muitos já não sabem mais como é.

Naquela ocasião, um pouco antes eu havia ganhado um bolo de natal de um estabelecimento comercial que frequento o ano todo. Era um bolo daqueles com cobertura de suspiro e frutas cristalizadas, bem bonito e gostoso. Eu mais a assessoria saboreamos a metade da iguaria. Quando então fui falar com os detentos, todos eles estavam sentados ao redor da mesa, olhando para aquele bolo ao centro, que não tinha sido retirado da mesa depois do lanche. Imediatamente mandei buscar uma faca e guardanapos e disse:

– Vocês hoje além de serem soltos, ainda terão direito a um pedaço de bolo de Natal – Todos sorriram e agradeceram. Alguns mais envergonhados declinaram, outros degustaram seu pedaço com satisfação.

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