Essa Gente, que chega às livrarias na quinta-feira 14, é um excelente romance colado a um diário, com anotações, mensagens enviadas e recebidas, entre dezembro de 2016 e setembro de 2019, atalho para o Brasil do aqui e agora. Apesar de o recorte parecer óbvio, o tempo em que uma presidente foi impedida, um ex-presidente foi preso e o Brasil caiu nas mãos de um saudosista do autoritarismo, cujo filho defende o retorno do AI-5, nada em suas páginas é evidente. O que vale, como nas canções, são as coisas não ditas. Não se busque em Essa Gente um corolário das mazelas do Brasil, um manual de ódio para quem não gosta de Chico, desde que ele passou a ser xingado porque nunca recuou de suas convicções; ou um mapa de adoração para quem o põe no pedestal dos intocáveis. Não se espere um panfleto, apenas porque empurraram Chico para um canto da guerra política, o que inclui apoio incondicional a Dilma Rousseff e Lula. O livro tem nuances mais inteligentes. É um delicado (e invariavelmente cômico, embora descrente) relato, apesar da aspereza, a impor reflexão em torno do Brasil rachado ao meio — o estúpido fosso social, os vãos ideológicos, tudo aquilo que nos trouxe até aqui. É como se os personagens de Essa Gente dissessem: ―Preste atenção‖, eis o Brasil como ficou. Ou então: em que momento o vaso trincou a ponto de uma certa unanimidade nacional — o próprio Chico — agora ser encurralado nas ruas por gente que pensa diferente? O nome do personagem central de Essa Gente faz lembrar o de seu criador: é Manuel Duarte, autor de um romance histórico, O Eunuco do Paço Real. Decadente, endividado, ele tem um filho adolescente com quem não troca palavra e duas ex-mulheres (uma tradutora e uma decoradora). A cercá-lo, revelam as anotações, há um Rio de Janeiro que sangra entre a pobreza e a solidão. O caleidoscópio, evidenciado pelo quebra-cabeça fragmentado das curtas entradas do diário, expõe uma multidão de bizarrices que, sem a chave da ironia, soaria inverossímil. Há o pastor evangélico da Igreja da Bem-Aventurança ligado a um maestro italiano que castra jovens pobres para abastecer o mercado internacional de canto lírico. Há o mendigo que apanha de um sócio do Country Club. O filho de militantes de esquerda que sofre bullying na escola. Na pena de um escritor qualquer, o risco de desandar para o preto no branco seria imenso. Na narrativa de Chico há vasta porção de cinza, é tudo mais sutil, mais lírico, costurado por paixões e suspense policial. Se os outros livros de Chico Buarque foram sempre primos distantes de sua produção musical, Essa Gente é como um irmão. Ecoa a letra do clássico imediato de seu mais recente disco, As Caravanas: ―Esses estranhos / suburbanos tipo muçulmanos / do Jacarezinho / a caminho do Jardim de Alá‖. É o Chico Buarque compositor de mãos dadas com o Chico Buarque escritor, como se repetissem Carlos Drummond de Andrade musicado por Milton Nascimento, ambos um tanto esquecidos: ―Eu preparo uma canção / que faça acordar os homens / e adormecer as crianças‖. Qual o objetivo principal deste texto, isto é, sua finalidade? *
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