Em que sentido a amizade se universaliza?
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Inegavelmente, Platão é o filósofo do Amor. No Banquete, sem dúvida, encontram-se algumas das mais belas páginas que já foram escritas sobre Eros em toda a História da Literatura Universal. Mas coube a Aristóteles o merecimento de ter resumido o que de melhor o pensamento grego nos legou sobre o amor de amizade, sobre a philia.
Na Cultura Ocidental, a palavra φιλια geralmente foi traduzida por “amizade”. Todavia, nos escritos da Grécia Arcaica, o termo tinha uma conotação semântica muito mais ampla e era empregado para traduzir um vínculo de união ou de interesse entre os homens, quer este fosse devido ao sentimento de mútua simpatia, quer fosse fruto de uma vantagem específica, ou até mesmo do próprio acaso. Daí porque eram amigos (φιλο i): os camaradas de jogo, os colegas de viagem, os companheiros de navegação, os colegas de armas, os associados no comércio, os pais, esposos, irmãos, parentes e os cidadãos em geral.
Nos textos filosóficos, mesmo na Grécia Clássica e do próprio Platão, ainda não existe uma distinção clara entre as palavras “amor” (eros) e “amizade” (philia). Em Aristóteles, porém, já se encontra uma tentativa de definir a amizade (φιλια), designando-a como uma convivência íntima, agradável e, sobretudo, benéfica, capaz de fazer da vida humana uma vida “bela e boa”, digna, portanto, de ser vivida1.
Por duas razões principais, Aristóteles deu um destaque especial à philia em seus escritos sobre a Ética. Em primeiro lugar, porque a verdadeira amizade era para ele uma autêntica virtude, entendida no sentido da αρετη grega; e em segundo lugar, porque a amizade tinha, para os gregos, uma função importante na vida da Cidade (pólis), pois tinha o valor e a dignidade de uma “virtude política” (πολιτικη αρετη).
Portanto, como o eixo em torno do qual gira tudo o que Aristóteles ensina sobre a Philia é a noção de virtude (αρετη), bem como o seu papel fundamental tanto na vida dos indivíduos quanto na vida da Cidade (pólis); oportuno se faz lembrar de que modo a Grécia Antiga definia a virtude (αρετη), para avaliar devidamente o que Aristóteles entendia quando afirmava que a amizade era uma virtude.
Para ele, a virtude é uma “disposição interior”, um “costume” (εθος), ou ainda um “hábito” (εζις)2 que aperfeiçoa os seres humanos, tornando-os capazes de agir, quase sempre3, de um modo excelente. Nesta perspectiva, os hábitos tornavam aptas as pessoas a construírem um estilo próprio de vida, o que poderia ser visto como a própria finalidade da ética. Desse modo, o homem virtuoso possuía, de um modo excelente, as virtudes do “belo” (καλος) e do “bem” (αγαθος), que resumiam o essencial do ideal ético da cultura helênica. No dizer de Léon Robin (1957, p. 1270), a expressão καλος και αγαθος (belo e bom) sintetizava o ideal helênico de um “homem realizado”, ou seja, o ideal de “un homme accompli”.