Em que contribuíram os Movimentos Sociais, na conjuntura das ditaduras latino-americanas?
Soluções para a tarefa
Com a liberalização dos regimes políticos, bem como das economias, não só as questões em jogo mas também o contexto das mobilizações se redefiniram. É efetivamente o que frisam certos trabalhos coletivos publicados desde 2000. Com Susan Eckstein, mais uma vez, podemos diferençar as dinâmicas de erosão das que assinalam o reforço da contestação. Aquelas dizem respeito sobretudo ao movimento operário, que prosseguiu declinando, como indica a queda do número de greves na década de 1990.27 Enquanto as mobilizações continuam a se afastar da esfera do trabalho, a se territorializar e a se construir em torno da afirmação de identidades culturais,28 diminui a frequência das invasões de terras no meio urbano e a Igreja Católica efetua um retorno à fé e à ação religiosa. Simultaneamente, contudo, outras mobilizações parecem obedecer a dinâmicas diferentes e ganhar força: os repertórios de ação coletiva continuam a se enriquecer, com as longas marchas pacíficas em direção às capitais, como a dos opositores do ALCA,29 que convergiu para Quito em novembro de 2002, ou a dos neozapatistas em direção à Cidade do México em 2001; os movimentos de defesa dos direitos não arrefecem no Chile, e na Argentina conseguiram a anulação das leis de anistia a partir de 2003; as organizações indigenistas mostraram sua capacidade de mobilização na Bolívia desde a eleição de Evo Morales para a presidência em 2006; a contestação das classes políticas abalou os regimes políticos argentino em 2001 e equatoriano em 2004 e em 2007, aos gritos de "Que se vão todos eles!", enquanto os mexicanos ocupavam as praças públicas a partir de julho de 2006 para contestar o resultado da eleição presidencial ou a legitimidade do governador do estado de Oaxaca...
A década de 2000 parece confirmar a tendência identificada por Susan Eckstein. Não só a contestação promovida pelas classes populares não se extinguiu e continua a marcar a vida política em vários países do continente, como parece inclusive ampliar-se, apoiando-se num repertório maior de ações coletivas. Grupos sociais até então pouco mobilizados rapidamente impuseram sua presença na política, tendo em alguns casos adentrado a cena política nacional. Na Argentina, ações espetaculares chegaram a ser promovidas pelos piqueteros, que bloquearam estradas em várias ocasiões, inicialmente a partir de 1995 e 1996 em várias províncias situadas a nordeste mas também na Patagônia.
Simultaneamente, mobilizações mais antigas se fortalecem, notadamente no terreno da defesa dos direitos humanos. Na Colômbia, num contexto em que o conflito se complicou e degradou, as mobilizações pela paz civil favoreceram a ampliação do debate público sobre os direitos fundamentais desde o início da década de 2000.31 Na Argentina e no Chile, as contínuas mobilizações dos defensores dos direitos humanos, como por exemplo as Mães da Plaza de Mayo, tiveram resposta na reabertura dos processos contra os responsáveis pelos regimes militares a partir de junho de 2005, quando o Tribunal de Recursos de Santiago revogou a imunidade de Augusto Pinochet, e em julho de 2005, quando a Corte Suprema argentina declarou "inconstitucionais" as leis de anistia de 1986 e 1987. Neste país, a reabertura dos processos a partir de 2007 foi acompanhada de muitas manifestações de rua, aos gritos de "Assassinos! Assassinos!", enquanto as dolorosas cerimônias de evocação do golpe de Estado, a cada dia 24 de março, continuam reunindo muitos participantes.
Mas a década de 2000 também foi marcada pela ampliação das mobilizações indigenistas, dando continuidade ao "despertar indígena" da década anterior.32 Em torno de reivindicações nos terrenos da educação bilíngue, do reconhecimento cultural, do acesso aos recursos naturais e da propriedade da terra, a afirmação da indianidade constituiu o fulcro de mobilizações diversas, em vários pontos do continente, a partir das comemorações dos "Outros Quinhentos Anos" em 1992: golpe de força do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) em San Cristobal de las Casas em janeiro de 1994, marchas de camponeses da região de Chapare em direção a La Paz, mobilização da oposição ao Plano Puebla-Panamá entre 2001 e 2004, particularmente em nome dos direitos definidos pela convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho... são exemplos que falam do fortalecimento das mobilizações de protesto indígenas.