Em defesa do voto obrigatório
Léo Lince
Correio da Cidadania, 29/5/2015
Existe, no senso comum, um mal-estar em relação ao voto obrigatório. Toda obrigação incomoda. Este fato, indiscutível, favorece os defensores do voto facultativo, que, ademais, apresentam sua proposta como expressão da postura libertária e como fator de desmonte de algumas distorções que, de fato, existem em nosso sistema eleitoral.
O “curral eleitoral” e a compra de votos seriam distorções eliminadas pela simples presença do voto facultativo. Falso.
Na República Velha, o voto era facultativo e os currais proliferavam. O voto obrigatório foi implantado na década de 30 e os currais continuam a operar até hoje. Ou seja, sendo obrigatório ou facultativo, o voto pode se tornar mercadoria. A
coerção que encurrala eleitores é de outra natureza e tem a ver com o peso do poder econômico. O quadro atual, marcado pelo desencanto com a política e pela descrença no voto como instrumento de mudança — elementos que favorecem a cristalização do poder de quem já está por cima — também joga água no moinho dos que defendem o voto facultativo.
Apresentado como uma vitória da liberdade, o voto facultativo se recobre com as feições sedutoras da rebeldia.
Desobrigado de votar, o indivíduo ficaria mais “livre” ao deixar de “perder” aquele pedaço do dia em que, de dois em dois anos, comparece na seção eleitoral. Falsa conquista, baseada em perigoso conceito de liberdade individual, que pode
comprometer a realização do princípio republicano da soberania popular.
O voto, para os que defendem sua obrigatoriedade, além de um direito duramente conquistado, deve ser considerado
um dever, sem o exercício do qual aquele direito se descaracteriza ou se perde. A liberdade e a democracia não são meros meios, são fins cuja permanência depende da eterna vigilância e do trabalho continuado de seus defensores.
Logo, quem vive numa comunidade política não pode estar desobrigado de opinar sobre os seus rumos.
Essa é uma ideia que vem de longe, dos tempos da Revolução Francesa, ancorada em formulação de Jean-Jacques Rousseau. Segundo ele, o cidadão só pode ser o soberano da política se ao mesmo tempo for “escravo” do processo que constitui a “vontade geral”. Ou seja, o poder político só emanará do povo se o povo participar da política. Nada contra a desobediência civil ou demais formas de protesto político que vão além do momento eleitoral. A insatisfação contestatória, aliás, também pode se expressar no voto nulo, cuja tecla deveria constar na máquina de votar.
O voto facultativo desloca o eixo da questão. Com ele, o direito de votar e o de não votar ficam inscritos, em pé de igualdade, no corpo legal. Uma parte do eleitorado deixará voluntariamente de opinar sobre a constituição do poder político. O desinteresse pela política e a descrença no voto serão registrados como mera “escolha”, sequer como desobediência civil ou protesto. A consagração da alienação política como um direito legal interessa aos conservadores.
Reduz o peso da soberania popular e desconstitui o sufrágio como universal.
Ganha com a mudança quem deseja o povo como “maioria silenciosa”, gigante adormecido, aglomerado de consumidores, nunca como titular soberano e organizado do poder político. Nos EUA, onde o voto é facultativo, a abstenção eleitoral é enorme e tende a se perpetuar, ao longo do tempo, nos mesmos grupos sociais e étnicos, especialmente entre os discriminados socialmente. A redução da universalidade do sufrágio se expressa como exclusão social e elemento efetivo de cristalização do poder nas mãos da “classe política”.
No quadro brasileiro atual, o voto facultativo é uma das faces (a mais simpática) da investida conservadora. O “estado mínimo” da macroeconomia neoliberal demanda, para o seu bom funcionamento, a teoria da representação mínima.
Encolher o tamanho do eleitorado com o voto facultativo; reduzir o número de partidos com a cláusula de barreira; eliminar parte dos votos válidos com o distrital-majoritário. Querem reduzir a participação política, eliminar partidos e esterilizar o
voto da oposição contestadora.
Para o cidadão ativo, que além de votar se organiza para garantir os direitos civis, políticos e sociais, o enfoque deve ser inteiramente outro. A liberdade de não ir votar é uma armadilha. O tempo dedicado ao acompanhamento continuado da política não deve se apresentar como restritivo da liberdade individual. Pelo contrário. É compromisso livre com a democracia participativa, indispensável ao exercício pleno de todas as liberdades, inclusive as individuais. Para que o sufrágio continue universal, para que todo poder emane do povo e não dos donos do poder econômico, o voto, além de um direito, deve conservar a sua condição de um inarredável dever civil.
Responda:
▶ Qual é a questão polêmica que o artigo pretende responder?
▶ Quais foram os fatos que motivaram o articulista a escrever o artigo?
▶ Há alguma referência no texto a posições e/ou a debatedores anteriores?
Soluções para a tarefa
As questões trabalham a interpretação do texto em questão. Vamos analisar cada uma delas:
1. O artigo pretende responder a polêmica sobre o voto obrigatório ser algo bom ou não para a sociedade, para a política e para as questões econômicas envolvidas com as eleições.
2. Os fatos que motivaram o autor a desenvolver esse texto foram dois principais: a corrente cada vez maior de defensores do voto facultativo e os crescentes índices de abstenção nas zonas eleitorais a cada 2 anos.
3. Sim, há referência a filósofos modernos como Jean-Jacques Rousseau. Também há referência a movimentos como a Revolução Francesa e a épocas como a República Velha e o voto de cabresto implementado ali.
4. Os adversários do articulista, de acordo com o texto, são os representantes de partidos conservadores e defensores do estado mínimo, além de todos os participantes da corrente facultatista de voto.
5. A tese defendida pelo artigo é a de que o voto obrigatório é importante para a democracia.
6. Não. Eu sou a favor do voto facultativo, porque muitas vezes as pessoas são obrigadas a se posicionar numa disputa em que não concordam com os dois lados da questão - como nas eleições de 2018. Também ocorrem, muitas vezes, situações em que as pessoas votam apenas por serem obrigadas, já que não acompanham política ou não tem a mínima noção do assunto. Isso acontece muitas vezes com jovens em suas primeiras eleições, analfabetos e idosos que são forçados a ir votar pelo senso comum mas não são obrigados pela lei, e também com pessoas das comunidades carentes. Essas pessoas não tem acesso à informação e os políticos compram seus votos por meio de promessas falsas que não serão cumpridas. Lembrando que essa é a minha opinião.
Saiba mais sobre interpretação de texto em:
https://brainly.com.br/tarefa/4461173
Espero ter ajudado!
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