É preciso, então, lembrar que a filosofia não é “Ciência” nem pretende se substituir às ciências particulares; não é superior ou inferior, simplesmente seu projeto é outro. Ela não aspira, como as ciências, nem à dominação e o controle da natureza nem à redução do real a uma objetividade sem sentido e manipulável. Ora, isso não retira à filosofia nem uma gota de seriedade, pois responde, como diria Hannah Arendt, a nossa necessidade de compreensão do que acontece, que em momentos como o atual se manifesta tão urgentemente. A compreensão é a ação humana mais essencial e o único fundamento de qualquer outra ação possível, pois cria a possibilidade de uma reconciliação com o presente. Só que, para chegar a alguma compreensão, a alguma verdade mundana desta situação inédita na qual estamos imersos, provavelmente seja preciso atravessar alguns erros: pois é através do erro que a gente consegue aprender algo novo. Também é importante perceber que é bem melhor que se fale em excesso a que não se fale nada, mesmo se frequentemente se dizem besteiras e coisas desnecessárias, pois quem sabe se talvez no canto de tal discurso sem interesse não caiu por acaso um pouco da poeira da verdade, que faz com que a gente se situe melhor na situação. Finalmente, é essencial entender que a filosofia não é um trabalho de especialista que apenas exija ser consumida, que ela não pede consumidores, mas reclama companheiros e companheiras de pensamento; que sua tarefa não é dar respostas nem guias para a ação, mas simplesmente fazer pensar. Ora, fazer pensar, mesmo que seja algo irritante, é especialmente importante – e provavelmente, também, especialmente irritante – em situações de emergência como a atual, em que o único que se exige de nós é a obediência unânime. O tempo da exceção é justamente o tempo “normal” da filosofia; por isso seria politicamente importante que, em lugar do ódio ressentido contra a única tradição que permite habitar esse modo de temporalidade, se espalhasse uma nova cultura crítica filosófica bem para além do reduzido círculo de especialistas e pensadores mediáticos, e bem para além também do regime neoliberal tão pouco favorável ao pensamento do qual procedemos, e que a pandemia atual revela. podemos ter certeza de que se existe um verdadeiro trabalho de criação filosófica em conexão com as tendências mais profundas do nosso estranho tempo não será imediatamente reconhecido pela opinião. Mas é preciso se perguntar previamente pela legitimidade das demandas dessa opinião. Em nossas sociedades, tanto a divisão do trabalho quanto a tutela em todos os âmbitos estão tão profundamente enraizadas que as pessoas tendem a esperar que sempre exista um especialista a quem recorrer diante de qualquer problema. Se estamos doentes, chamamos o médico; se alguém não respeita a lei, chamamos a polícia; se não entendemos o que está acontecendo, chamamos o filósofo. Por isso, na situação tão anômala em que vivemos, não é só que os diagnósticos dos intelectuais mediáticos sejam insatisfatórios, mas que as exigências a que respondem supõem uma profunda incompreensão do sentido da filosofia. E num momento tão politicamente perigoso como o atual, em que já tantas restrições das liberdades fundamentais estão sendo aceitas pela população sem contestação, antes que decretar também autoritariamente o silêncio do pensamento ou da filosofia seria importante fazer um pouco de pedagogia, renovar um pouco a “pedagogia do conceito”, como diriam Deleuze e Guattari. podemos ter certeza de que se existe um verdadeiro trabalho de criação filosófica em conexão com as tendências mais profundas do nosso estranho tempo não será imediatamente reconhecido pela opinião. Mas é preciso se perguntar previamente pela legitimidade das demandas dessa opinião. Em nossas sociedades, tanto a divisão do trabalho quanto a tutela em todos os âmbitos estão tão profundamente enraizadas que as pessoas tendem a esperar que sempre exista um especialista a quem recorrer diante de qualquer problema. Se estamos doentes, chamamos o médico; se alguém não respeita a lei, chamamos a polícia; se não entendemos o que está acontecendo, chamamos o filósofo. Por isso, na situação tão anômala em que vivemos, não é só que os diagnósticos dos intelectuais mediáticos sejam insatisfatórios, mas que as exigências a que respondem supõem uma profunda incompreensão do sentido da filosofia. E num momento tão politicamente perigoso como o atual, em que já tantas restrições das liberdades fundamentais estão sendo aceitas pela população sem contestação, antes que decretar também autoritariamente o silêncio do pensamento ou da filosofia seria importante fazer um pouco de pedagogia, renovar um pouco a “pedagogia do conceito”, como diriam Deleuze e Guattari.
A. Há Coerência entre a opinião do autor e a nossa realidade?
B. De que maneira este texto te auxiliou a compreender a importância da filosofia em nosso cotidiano? Dê um exemplo:
Soluções para a tarefa
Quando o período que estamos atravessando terminar, ou, em qualquer caso, quando as águas dos acontecimentos começarem a descer com mais calma, será preciso se perguntar o que tem acontecido com a filosofia neste tempo, pois realmente está sendo tudo muito curioso. Até a crise atual ninguém dava a menor atenção: quase nenhum financiamento, quase nenhuma relevância nos planos de estudos, quase nenhuma presença nos meios de comunicação. Eis a típica marginalização neoliberal de tudo o que dissente e não é business, e que frequentemente é pior do que a censura direta. Porém, a pandemia que assola o mundo, fazendo com que os governos decretem medidas de exceção inéditas, chegou desde o começo acompanhada de uma autêntica febre filosófica, com muita demanda e muita produção de textos assinados por autores mais ou menos famosos que nossa sociedade reconhece como pensadores ou filósofos. Por sua vez, este fenômeno está produzindo, ao menos, dois tipos de reações gerais, bastante significativas.
B) Vamos tomar a palavra “Justiça” como exemplo, pelo método histórico, nós podemos fazer uma investigação de quando essa noção aparece, em qual contexto, quais foram seus antecedentes, qual o sentido essa palavra teve em determinada época. Se dois sócios querem dividir os lucros da empresa de forma justa, ou seja, dividindo igualmente o lucro e os custos, a Matemática pode nos ajudar a partir de cálculos. No entanto, se tentarmos responder “O que é a justiça?” ou: “Faz parte da condição humana a noção de justiça?”, o único recurso que teremos será a nossa razão, a nossa capacidade de pensar.