Disciplina e liberdade
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Eu sei que não é fácil, mas o antídoto que sabemos que não falha, porque foi testado ao longo da história humana, é mesmo a disciplina. Sempre que a essência do homem foi colocada em teste, como na guerra, nos esportes e nas ciências, a disciplina mostrou seu valor. Tivemos até alguns mestres nessa área. Um deles foi Sêneca, senador romano de origem espanhola que viveu entre 4 a.C. e 65 d.C. Ele adaptou e aplicou à vida prática a filosofia estóica, criada pelo grego Zenão no século 4 a.C., em que a disciplina é absolutamente fundamental. De acordo com essa filosofia, a principal causa do sofrimento humano é a fraqueza da vontade, e isso termina por levar o homem a condutas deploráveis, como a preguiça, a inveja e a cobiça. Sêneca repetia que a pessoa que domina sua vontade comanda seu destino, e aquele que não domina sua vontade é apenas arrastado pelo destino, que foge do controle. Pois é, parece que a indisciplina e a preguiça podem ter efeito fatal em nossos sonhos!
O estoicismo acabou transformando-se, por essa via, na postura intelectual predominante no Império Romano. No estoicismo grego considerava-se a disciplina uma virtude. Já no estoicismo romano ela passou a ser encarada como dever cívico. Os estóicos acreditavam que a virtude poderia levar o homem à criação de uma razão universal, da qual deriva o conceito do jus naturale, ou direito natural, que passou a fazer parte do direito romano, o pilar da maioria dos sistemas jurídicos modernos, a maior contribuição do pensamento romano à atualidade. A disciplina, entretanto, não pode depender nem da exigência jurídica nem da imposição de outras pessoas. Ser disciplinado não significa ser chato, quadrado, metódico. Significa controlar os impulsos primitivos que buscam, acima de tudo, o prazer e a economia de energia. Depois vem o resto. Só que o mundo de hoje quer esse resto, que a preguiça teima em não conceder. E, nesse caso, parodiando Macunaíma, o herói sem caráter, em sua carta aos Icamiabas: “Pouca vontade e muita preguiça, os nossos males são”.
Aliados e inimigos
A disciplina, é necessário reconhecer, tem lá seus inimigos. Vejo dois: a indolência e a dúvida. A indolência é o diabinho que sussurra em nosso ouvido coisas como: “Deixa para depois!”; “Fique mais um pouquinho na cama, o que é que há de mal nisso?”; “Não se preocupe, se você ficar bem quietinho, a vontade de trabalhar passa!”; “Ninguém faz, por que logo você deveria fazer?” E por aí vai. O repertório de convencimento do capetinha da indolência é quase infinito. Cuidado com ele!
Quanto à dúvida, bem, essa tem causas mais profundas, pertence ao misterioso mundo do autoconhecimento. Cuidado, pois resoluções pessoais não podem dar espaço para as dúvidas. Se você pretende plantar um jardim, não pode duvidar de seu apreço pelas flores. Se uma resolução é fraca, será dominada pela dúvida, e esta vem acompanhada da acomodação, do desânimo e da desesperança. Eta turminha da pesada! Mas não se esqueça de que esses três só entram na festa se forem convidados pela dúvida. Portanto, não crie, em sua cabeça, projetos em que você não acredita, objetivos definidos por outros, sonhos mal sonhados. Todos eles abrem espaço para a dúvida, e esta arruma a cama da indisciplina, em que ela dormirá o sono letárgico de uma vida sem sentido.
A idéia da disciplina carrega consigo um arsenal de meios que poderiam ser entendidos como outras resoluções. Mas não, elas são um só conjunto, uma só decisão, compartimentada, mas única. E a noção da disciplina é a mais abrangente – a ave sob cujas asas se acomodam os componentes da esperança com base, do sonho com certeza, do amor compartilhado.
Em latim, disciplina significa ensino, por isso usamos essa palavra também para designar áreas do conhecimento. Matemática, história, biologia são exemplos de disciplinas escolares. Há, portanto, uma conexão entre a disciplina e o aprendizado. Aliás, a palavra disciplina tem a mesma origem da palavra discípulo. O mestre disciplina um jovem para que ele aprenda, se desenvolva, torne-se autônomo e produtivo. O jovem que o mestre disciplina é, portanto, seu discípulo.
No sentido pessoal, a disciplina aumenta nossa capacidade de aprender e, a partir disso, realizar. Quem se disciplina torna-se, ao mesmo tempo, mestre e discípulo. Aprendem, produzem, criam, alcançam os resultados com que sonham. E, o mais importante, são mais livres. A disciplina não aprisiona, liberta você da pressão externa e do sofrimento que vem dos sonhos não realizados, das frustrações autoprovocadas, da miséria da desesperança. Aliás, Renato Russo nos disse que “disciplina é liberdade”. Pois é. Do filósofo grego ao imperador francês, encontramos a idéia de que uma mente livre é uma mente disciplinada. Porque as pessoas disciplinadas são mestras de si mesmas.
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