consequências sociais da propaganda
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A propaganda influencia o modo de vida das pessoas ou apenas reflete tendências? Esse é um dilema recorrente que a sociedade vivencia diariamente e vale para todas as questões, inclusive para o meio ambiente.
Esta semana vi um anúncio de uma montadora de automóveis cujo título espelha bem essa dúvida: “Sofisticação é ter mais do que você precisa e tudo que você deseja”. Assinado por uma grande agência de São Paulo e aprovado por uma multinacional francesa, essa propaganda foi veiculada em página dupla de uma revista de circulação nacional.
Como assim? Sofisticação? Já é ruim pelo significado explícito, mas fica pior ao lermos as entrelinhas do título. No dicionário encontramos refinamento e esnobação como significado de sofisticação. Então podemos traduzir que ser refinado ou esnobe é ter mais do que você precisa e tudo que deseja.
Ter mais do que você precisa não é sofisticação, é desperdício tolo. É acumular coisas desnecessárias, consumir de forma irracional e estimular o uso predatório dos recursos naturais. Numa época em que discutimos aquecimento global e desenvolvimento sustentável, um anúncio desses parece um despropósito imenso. É usar a inteligência e talento publicitário para imprimir uma sandice sem tamanho.
Mas aí entra a segunda parte do questionamento. Afinal a propaganda é só uma ciência que estimula o consumo a qualquer preço ou tem uma utilidade maior? Fico muito à vontade para falar sobre propaganda e acho ótimo debater sobre o tema. Sou publicitário e lido diariamente com a questão, mas gosto de analisar sob a ótica da função do ofício. Não acho que propaganda sirva para vender tudo para qualquer pessoa, nem mesmo para convencer, enganar ou estimular o consumo desenfreado.
Nossa profissão é séria, conta com profissionais que se destacam no mundo todo, cria trabalhos fantásticos, tem responsabilidades, possui um Código de Ética e até mesmo um Conselho de Auto Regulamentação Publicitária – o CONAR. Apesar de tudo isso, às vezes derrapa feio, como nesse anúncio de automóveis. Mas é necessário analisar que todo anúncio espelha com exatidão o pensamento do cliente. Aí já entramos na filosofia do anunciante, em seus valores e crenças.
Infelizmente, “ter mais do que você precisa e tudo que você deseja” é visto como sinônimo de sucesso. Êxito profissional e pessoal são medidos pelo que ostentamos, pelo que consumimos e aparentamos ser. Não quero apontar o dedo e afirmar que este nosso comportamento é certo ou errado, apenas propor uma reflexão sobre como os fatos estão interligados.
Quando estimulamos e propagamos a idéia de ter mais do que precisamos, estamos na verdade alimentando o desperdício e um modo de vida altamente comprometedor para o futuro do nosso planeta. Ter tudo que desejamos pode ser um estímulo para vencermos as dificuldades, mas e no caso de uma criança? Será que os pais e mães devem ceder a todos às vontades dos filhos? Dar a eles tudo que querem? E quantas vezes nós mesmos não agimos como crianças mimadas e queremos tudo?
Preservação ambiental e egoísmo são imiscíveis, não se misturam por nada, são absolutamente incompatíveis. É importante agirmos com consciência coletiva, pensar e viver de acordo com o desenvolvimento de nossas virtudes e não com a repetição de vícios e defeitos. A evolução é um caminho sem volta, mas muitas vezes ficamos parados feito poste diante de tantas opções para exercitarmos nosso egoísmo, vaidade e orgulho.