Como valorizar a pluralidade da cultura indigena
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Em todos os continentes, os povos indígenas continuam sofrendo intensa discriminação, com impactos agravados quando se encontram em situação de minorias, étnicas e lingüísticas. O próprio desconhecimento a respeito da diversidade desses povos, que representam hoje cerca de 350 milhões de pessoas, 4% da população mundial, acentua ainda mais esse quadro. Nas Américas, são 50 milhões, vivendo situações muito diversas em cada país. No Brasil, o censo realizado pelo IBGE em 2000 surpreendeu, quando mais de 700 mil pessoas se declararam "indígenas", abrangendo um numeroso contingente indígena que vive em centros urbanos. Mas a maior parte da população brasileira considera que os índios ainda estão "em vias de desaparecimento" e delega ao Estado a responsabilidade de seu destino. Um destino que se costuma taxar de incerto, recomendando-se ora sua "integração", ora sua "preservação".
O fato é que os índios saíram do isolamento, integrados como estão aos sistemas sociais, econômicos e políticos, em âmbito regional ou nacional. Uma integração que se realiza por meio de relações profundamente desiguais, às vezes no limite da exclusão. Enquanto minorias, os povos indígenas se vêem forçados a negociar constantemente seus interesses diferenciados com as mais diversas instâncias de poder, locais, nacionais e internacionais. Nesses contextos, aprenderam a gerir tanto suas especificidades culturais quanto seu posicionamento face às exigências do desenvolvimento. É por este motivo que se costuma afirmar que os povos indígenas lutam "a favor" e "contra" o desenvolvimento. A favor, quando reivindicam acesso aos serviços básicos de educação e saúde. Contra, quando reivindicam garantias territoriais e procuram explicitar e defender suas diferenças culturais. Mas é também internamente a suas comunidades que ocorrem tensões decorrentes da insidiosa discriminação a que são submetidos.
COMO PROTEGER BENS IMATERIAIS INDÍGENAS? Centenas de projetos de valorização cultural estão em curso dentro e fora das aldeias. Estratégias estão sendo testadas, com a colaboração de programas supranacionais e de órgãos nacionais, universidades, organizações indígenas, organizações não-governamentais, formando um painel ainda frágil de experimentos, muitas vezes contraditórios. As dificuldades remetem, sobretudo, às condições disponibilizadas para a proteção dos patrimônios imateriais indígenas, que flutuam em acordo com os contextos políticos e econômicos. Assim, a adequação das medidas de proteção envolve, sempre, complexas negociações.
Como se sabe, os procedimentos de "conservação" habitualmente utilizados para a proteção do patrimônio material não são adequados à preservação do patrimônio imaterial, que exige um conjunto muito mais complexo de procedimentos. A prática do "tombamento", que visa garantir a integridade física e as características originais de um monumento histórico ou de uma obra artística, não se aplica aos conhecimentos e manifestações culturais intangíveis, cujo valor reside justamente na capacidade de transformação dos saberes e modos de fazer. Neste caso, ao invés do tombamento, são recomendadas medidas de "salvaguarda". Em acordo com as definições oficiais difundidas pela Unesco (1), entende-se por "salvaguarda" as ações que procuram assegurar a viabilidade e durabilidade do patrimônio cultural imaterial, incluindo sua identificação, documentação, investigação, preservação, além de sua proteção, promoção, valorização, transmissão – efetuada através do ensino formal e não formal – e a revitalização desse patrimônio em seus diferentes aspectos.
Tanto a identificação – ou seja, a seleção e o inventário de elementos culturais relevantes para um registro ou para uma ação de difusão – como as medidas adotadas para sua proteção e sua valorização, colocam imediatamente em pauta uma série de desafios que consideramos interessante resumir, mesmo que brevemente, citando dificuldades de três ordens: quem são os agentes responsáveis pelo inventário dessas tradições culturais? Quem tem o poder de escolher entre uma ou outra tradição, entre uma ou outra comunidade? O que se pretende preservar numa tradição: as produções, o registro dessas produções ou seus meios de expressão?