Como se deu a transformação cultural?
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O conceito de cultura tem uma longa história e sua origem é anterior ao esforço da antropologia de estudar e compreender povos com costumes e modos de vida diferentes. Como mostra Elias (1990), cultura e civilização são conceitos que surgem na Europa e que, já de início, ganham significados diversos entre as várias populações nacionais nascentes. Grosso modo, porém, esses termos parecem conotar a unidade ocidental e as diferenças internas a ela: se civilização é um resultado final de um processo que culmina no Ocidente, cultura designa as particularidades das populações ocidentais ¾ os modos franceses, ingleses, alemães.
Na antropologia evolucionista de fins do século XIX, uma história comum a todos os povos culminaria na civilização ocidental, ápice da evolução, e as diferenças culturais ficavam subordinadas a uma concepção de estágios, ou estados, que deveriam ser ultrapassados. Funda-se então a missão civilizatória ocidental. Com a crítica aos evolucionistas e a admissão da relatividade cultural, a antropologia norte-americana, de um lado, e a inglesa, de outro, recusam o que foi chamado de pseudo-história ou história conjectural e buscam entender a diferença cultural. Está em jogo, aqui, uma oposição entre diferença e desigualdade.
Portanto, a mudança cultural deixa de ser percebida como um fantasma que assombra os nativos do mundo todo e passa a ser entendida como um meio de reprodução social que é pautada também pela história.
TRADIÇÃO CULTURAL
A percepção das dinâmicas sociais e culturais exige que se atente não apenas às tradições, como também à inovação; não se nega, assim, a reprodução social, mas amplia-se a noção de reprodução social, de modo que inclua a possibilidade de mudança. Desse modo, vai-se além da proposição de que estas sociedades têm, em todos os seus aspectos, como objetivo único a perpetuação estanque. Vários antropólogos têm se dedicado à reflexão de como essas modificações se efetuam e efetivam. Como demonstração e ilustração dessa mudança permanente das tradições culturais, citam-se dois exemplos retirados de análises antropológicas de realidades bastante diversas: a região das Guianas e a Nova Guiné.
TRANSFORMAÇÕES CULTURAIS
Ao lado de uma prática própria de transmissão de conhecimentos, os Xikrin têm uma noção diversa da nossa do que vem a ser transmissão, aprendizado e conhecimento. Do mesmo modo, o significado, para eles, de tradição e de sua cultura encontra uma formulação cultural específica. A discussão, nesse item, baseia-se em pesquisa sobre infância e aprendizado entre os Xikrin do Bacajá,4 além de informações fornecidas por outros estudiosos dos Kayapó, no sentido de verificar como eles entendem a permanência e a mudança cultural.
Para os Xikrin, o aprendizado é realizado por meio do olho e do ouvido, ambos órgãos que devem ser desenvolvidos, fortalecidos, como dizem, nos indivíduos para que se tornem capazes de aprender. Enquanto estes órgãos estão ainda "fracos", nas crianças, permite-se uma livre observação de todas as esferas da sociabilidade, mas não se exige a plena compreensão. Quando são fortalecidos, na idade madura, as pessoas são consideradas capazes de aprender, devendo saber agir corretamente e deter conhecimentos.
Portanto, configura-se entre os Xikrin uma situação em que a distribuição dos conhecimentos não é determinada por regras formais de transmissão e por espaços e ocasiões de ensino, mas sim pela iniciativa dos indivíduos. Há pessoas reconhecidas por habilidades ou por deter conhecimentos específicos, mas essa qualidade não é transmissível; ao contrário, ela depende da disposição do outro de aprender e de sua iniciativa, seja apenas de "sentar ao lado", seja, mais de pedir que lhe seja ensinado. E o que será ensinado, nesses casos, jamais será uma totalidade cultural. Do mesmo modo, essa totalidade não necessita ser pressuposta para ser segmentada e distribuída socialmente, mas se faz e refaz a cada geração.
No entanto, os Xikrin preocupam-se muito com a perpetuação de sua cultura e com a continuidade de sua transmissão. Alguns conhecimentos devem ser aprendidos e passados adiante (iukre iaren, continuar a contar, no sentido de contar para a próxima geração), o que eles chamam de kukradjà.
A autora menciona, ainda, a tradução, feita por eles, como "cultura" e seu uso como designando a cultura Kayapó e remetendo à identidade desse grupo. Fisher (1991:313-15) estabelece também uma analogia entre esse termo e cultura, traduzindo-o por "pieces stuff", algo feito de partes. Em outro texto, afirma: "a qualidade de ser Kayapó, no entanto, não se liga ao que é fisicamente compartilhado, mas à posse, 'dentro da cabeça', de um conhecimento específico de tradições culturais. O mais autêntico desses conhecimentos (kukradjá) é centrado em códigos de conduta e em regras de saúde, abrangendo também conhecimento cerimonial, mitologia, etc." (Fisher, 1996:3-4, tradução de Clarice Cohn).
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