como preservar Diversidade linguística e patrimônio cultural imaterial
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Resposta:
A diversidade linguística encontra-se ameaçada. Estima-se que entre um terço e metade das línguas ainda faladas no mundo estarão extintas até o ano de 2050. As consequências da extinção das línguas são diversas e irreparáveis, tanto para as comunidades locais de falantes, quanto para a humanidade. Essa percepção se encontra na Declaração Universal dos Direitos Linguísticos, elaborada na cidade de Barcelona, Espanha, em 1996, sob os auspícios da Organização das Nações Unidas Para Educação e Cultura (Unesco) e com a participação de representantes de comunidades linguísticas de diversas regiões do planeta. Segundo este documento, a situação de cada língua é o resultado da confluência e da interação de múltiplos fatores político-jurídicos, ideológicos e históricos, demográficos e territoriais; econômicos e sociais. Salienta que, nesse sentido, existe uma tendência unificadora por parte da maioria dos Estados em reduzir a diversidade e, assim, favorecer atitudes adversas à pluralidade cultural e ao pluralismo linguístico.rd80not12img02
O Brasil figura entre os países de maior diversidade linguística. Estima-se que, atualmente, são faladas mais de 200 línguas. A partir dos dados levantados pelo Censo IBGE de 2010, especialistas calculam a existência de pelo menos 170 línguas ainda faladas por populações indígenas. Embora não contabilizadas pelo Censo, pesquisas na área de linguística também apontam para outras línguas historicamente “situadas” e amplamente utilizadas no Brasil, além das indígenas: línguas de imigração, de sinais, de comunidades afro-brasileiras e línguas crioulas. Esse patrimônio cultural é desconhecido ou mesmo ignorado por grande parte da população brasileira.
A historiografia do país demonstra que foi necessário considerável esforço do colonizador português em impor sua língua pátria em um território tão extenso. Trata-se de um fenômeno político e cultural relevante o fato de, na atualidade, a língua portuguesa ser a língua oficial e plenamente inteligível de norte a sul do país, apesar das especificidades e da grande diversidade dos chamados “sotaques” regionais. Esse empreendimento relacionado à imposição da língua portuguesa foi adotado enquanto uma das estratégias de dominação, ocupação e demarcação das fronteiras do território nacional, sucessivamente, em praticamente todos os períodos e regimes políticos. Da Colônia ao Império, da República ao Estado Novo e daí em diante.
Tomemos como exemplo o nheengatu, uma língua baseada no tupi antigo e que foi fruto do encontro, muitas vezes belicoso e violento, entre o colonizador e as populações indígenas da costa brasileira e de grande parte da Amazônia. Foi a língua geral de comunicação no período colonial até ser banida pelo Marquês de Pombal, a partir de 1758, caindo em pleno processo de desuso e decadência a partir de então. Foram falantes de nheengatu que nominaram uma infinidade de lugares, paisagens, acidentes geográficos, rios e até cidades. Atualmente, resta um pequeno contingente de falantes dessa língua no extremo norte do país. É utilizada como língua franca em regiões como o Alto Rio Negro, sendo inclusive fator de afirmação étnica de grupos indígenas que perderam sua língua original, como os barés, arapaços, baniwas e werekenas.
Processo similar, ou mais opulento ainda, ocorreu com a infinidade de línguas faladas na África e que foram também faladas no Brasil devido ao tráfico transatlântico. Línguas dos troncos ewe-fon, nagô-iorubá e, principalmente, as bantu foram sendo absorvidas pela língua portuguesa em processo similar ao ocorrido com as línguas indígenas, porém, deixando também sua influência principalmente na fonética, na onomástica e no vocabulário do português brasileiro.
rd80not12img03Em outro plano, o Estado Novo, sob o comando de Getulio Vargas, também adotou medidas que geraram impactos nas línguas e culturas das famílias e comunidades imigrantes que chegaram ao Brasil em fins do século XIX. Havia a preocupação, de fundo racialista, com a manutenção da hegemonia da cultura brasileira forjada a partir dos moldes lusitanos. Temia-se a possibilidade de ebulição de movimentos separatistas, que se suspeitava poder aflorar nas colônias de imigrantes japoneses, alemães, italianos, poloneses, ucranianos, entre outras. Foi a escola o principal instrumento de imposição, onde se tornou obrigatório o ensino da língua portuguesa, desestimulando-se, ao mesmo tempo, o aprendizado e a utilização das línguas faladas pelo imigrantes.
Pode-se afirmar que é relativamente recente, do ponto de vista do Estado brasileiro, e mesmo dos Estados nacionais de modo geral, tratar a diferença étnico-cultural e linguística no campo dos direitos humanos. E isso envolve a percepção de que falar ou não determinada língua materna tem que ser uma escolha dos indivíduos, das famílias e das comunidades. Cabe, desse modo, ao Estado, tão somente garantir a liberdade dessa escolha e fomentar políticas voltadas para garantia desse direito.