como os europeus colocavam os africanos e explique o por que dessa visão
Soluções para a tarefa
Resposta:
1Civilizar tornou-se, a partir de meados do século xix, a peça central da doutrina colonial europeia em relação aos territórios ultramarinos. Na senda de outros impérios, Portugal adoptou, como parte integrante da sua estratégia governativa, a missão política de civilizar os povos indígenas.2 O conceito de ‘civilização’ combinava vários pressupostos que justificavam a superioridade da cultura portuguesa e a possibilidade de as culturas ‘outras’ poderem melhorar as suas qualidades fruto deste encontro; implicava que os súbditos coloniais de Portugal eram inferiores, incapazes de se auto-governar. Assentava igualmente no pressuposto de que Portugal possuía uma predisposição especial, pela sua superioridade moral e material, derivada do temperamento das suas gentes e pela virtude dos encontros e experiências coloniais anteriores, assim do estádio de desenvolvimento atingido, para realizar esta tarefa. Nesta sequência, Portugal sustentava o direito histórico, a exemplo de outros países europeus, de fomentar o progresso das culturas ‘primitivas’ em função do estádio de desenvolvimento económico, cultural e político de que gozava. Estas convicções e preconceitos encontraram consagração numa série de quadros legais que, procurando justificar a política colonial de Portugal, criaram categorias legais subalternas, como foi o caso dos ‘indígenas’ nos territórios africanos de Angola, da Guiné e de Moçambique (Santos e Meneses, 2006).
2No campo dos estudos pós-coloniais, Boaventura de Sousa Santos (2007: 3) refere como a obliteração física e/ou cognitiva de povos colonizados se constituiu como pedra angular da criação da modernidade ocidental e do desenvolver do pensamento abissal, onde as distinções são estabelecidas através da divisão do mundo em universos distintos: o espaço ‘deste lado’ e o espaço ‘do outro lado’ da linha. As realidades que ocorriam no mundo colonial não comportavam as normas, os conhecimentos e as técnicas que se usavam no ‘velho mundo’. Criou-se assim um princípio ‘universal’ em relação às populações das colónias, vistas agora como sub-humanas, desprovidas da capacidade de pensar, desprovidas de saberes; em termos políticos, esta ideologia traduziu-se, como este texto analisará, na transformação dos habitantes dos espaços coloniais em súbditos, administrados por sistemas legais desiguais, imobilizados em categorias legais rígidas e forçados a processos de assimilação, dada a impossibilidade de co-presença dos dois lados desta linha abissal (Santos, 2007: 4-5).
3As representações da história medeiam as relações sociais e os processos identitários, sendo, por isso, instrumentos fundamentais à criação e gestão identitária, determinando, de forma fundamental, que projectos e perspectivas são vistos como legítimos e validados através de actos de memória. A discussão sobre a construção da alteridade e a persistência destas representações nos tempos actuais recordam o peso das heranças coloniais, apelando à libertação da historicidade do controlo que lhe é imposto pela macro-narrativa da História mundial (Guha, 2002: 6). A zona colonial transformou-se em metonímica de um espaço a domesticar, através da acção da educação e do ensino do trabalho ao indígena que o habitava, onde o colonizado simbolizava a tradição, um espaço pretérito à civilização.
4A questão da memória sobre a colonização, a problematização sobre o sentido e os impactos da fractura abissal colonial moderna continua a afectar, de forma profunda, o campo académico e político contemporâneo, quer nos antigos territórios imperiais europeus, quer em antigos contextos coloniais.
5Reflectindo sobre Portugal, Ângela Guimarães explica a persistência deste viés ideológico nos seguintes termos:
A história colonial e a sua ideologia de apoio, que foi ensinada na escola e por diversos meios de propaganda a sucessivas gerações de portugueses, transportam numerosas mistificações à volta de factos e personagens e revelam deliberado baralhar de pistas que constituem em si elementos do processo e não devem ser tomados como fonte de conhecimento, mas sim como objecto de estudo (1983: 1089).
3 As referências sobre esta temática têm-se avolumado nos últimos anos. Veja-se, a título de exemplo, (...)
6Com as independências das antigas colónias africanas, a questão colonial manteve-se em Portugal, até aos últimos anos, como um tema académico periférico. Subjacente ao multiplicar de publicações e de referências nos média, a dúvida sobre se estas tomadas de posição recuperam ou não as referências ‘comuns’ produzidas pela ideologia colonial, mantém-se (Santos e Meneses, 2006). Muitos dos usos do saber colonial, assim como das memórias que lhe estão associadas continuam desconhecidas, porventura por permanecerem associados a histórias e trajectórias individuais, sem deixar de reproduzir uma lógica polémica, porque colonial na sua essência. O retomar do interesse sobre a questão colonial tem acontecido através de uma redescoberta de histórias de uma guerra, do lado Português referida como colonial e, do lado de Moçambique, apresentada como a história da guerra de libertação.3 A partir desta guerra têm vindo a surgir várias reflexões sobre a colonização, especialmente o debate sobre discriminações e o racismo latente na sociedade portuguesa, já que muitas da formas actuais de que se reveste a questão social estão profundamente racializadas, provenientes de práticas e esquemas ideológicos gerados pelo encontro colonial. A responsabilidade desta latência colonial – o racismo – no antigo espaço metropolitano deriva, muitas vezes, da permanência de representações do uso de categorias coloniais que não foram descolonizadas. A reprodução persiste, no Norte Global, através do uso de critérios físicos como critérios de diferença, assim como de práticas discriminatórias que contradizem os princípios republicanos da igualdade e da liberdade para viver em conjunto.
4 Uma análise detalhada das relações entre Portugal e Moçambique revela que estas duas realidades geo (...)
7Questionar a persistência de um mapa cognitivo que continuamente se alimenta de referências cognitivas coloniais, como hipótese, relaciona-se com uma análise profunda do carácter monolítico e estático da categoria ‘racismo’: a República, na senda do pensamento colonial que atravessava a Europa em finais do século xix, ergueu o edifício colonial sobre um princípio de discriminação essencial, construído legalmente através da diferenciação entre ‘civilizados’ e ‘indígenas’. Os elementos fundadores da ideologia colonial portuguesa estão presentes nos trabalhos de inúmeros políticos e académicos, como se verá de seguida. É sobre os pressupostos desenvolvidos por estes ideólogos da colonização portuguesa que este texto assenta, procurando conjugar, em contraste e de forma inovadora, perspectivas moçambicanas e portuguesas para que a redescoberta das problemáticas africanas pela academia em