Português, perguntado por mariaeduardaque2555, 11 meses atrás

Com o surgimento do Realismo na Europa, os romances de costumes passam a retratar as personagens e suas relações de modo mais distanciado e objetivo. Leia um trecho de Madame Bouary, do escritor francês Gustave Flaubert (1821-1880), que mostra o descontentamento da personagem principal diante da realidade de sua vida de casada.

[...] Quanto mais próximas lhe ficavam as coisas, mais o seu pensamento se afastava delas. Tudo o que a rodeava de perto, os campos enfadonhos, os burguesinhos imbecis, a mediocridade da existência, parecia-lhe uma exceção no mundo, um caso particular em que se achava envolvida, ao passo que para além se estendia, a perder de vista, o imenso país da felicidade e das paixões. Confundia, no desejo, a sensualidade do luxo com as alegrias do coração, a elegância dos hábitos com a delicadeza dos sentim entos. Acaso não necessita o amor, como certas plantas, terreno preparado, temperatura especial? [...] Charles gozava de boa saúde e tinha ótimo aspecto; a sua reputação estava definitivam ente firmada. Os camponeses gostavam dele porque não era orgulhoso. Agradava as crianças, não entrava nunca nas tabernas e, além disso, inspirava confiança pela sua conduta. [...] [...] Charles, porém, não tinha ambições! Um médico de Yvetot, com quem se encontrara em conferência, humilhara-o um pouco, na própria cabeceira do doente e na presença dos parentes reunidos. Quando Charles contou, à noite, esse fato, Emma exaltou-se em voz alta contra o colega. Charles sentiu-se enternecido com isso e deu-lhe um beijo acompanhado de uma lágrima. Ela, porém, estava exasperada de vergonha; a sua vontade era de espancá-lo, mas se levantou, dirigiu-se ao corredor, abriu a janela e aspirou o ar fresco, para se acalmar. — Pobre-diabo! Pobre-diabo! — dizia ela em voz baixa, mordendo o lábio. Sentia-se cada vez mais irritada. A idade ia-o tornando pesadão; à sobremesa divertia-se em cortar as rolhas das garrafas vazias e, depois de comer, passava a língua pelos dentes; ao engolir a sopa, fazia um gorgolejo en cada gole e, como começasse a engordar, os olhos, já por si tão pequenos, pareciam ter sido empurrados pelas bochechas. Emma, às vezes, metia-lhe para d entro do colete a fralda vermelha da camisa, arrumava-lhe a gravata ou punha fora as luvas desbotadas, que ele pretendia calçar; e isso não era por ele, como Charles pensava, mas por ela mesma, por expansão de egoísmo, por irritação nervosa. [...] (FLAUBERT. Gustave. Madame Bovar/. Tradução de Enrico Corvisieri. Porto Alegre: L6PM , E 003. p. 68-7E. (Fragmento).)

1.a) Transcreva em seu caderno a passagem que revela os sentimentos de Emma em relação ao local em que vive com o marido.
b) Como ela se sente morando nessa pequena vila no interior da França? Que imagem faz do lugar?
c) De que maneira a linguagem usada traduz para o leitor os juízos de valor de Emma?

2. O que é possível depreender do gesto de Charles Bovary diante da reação revoltada de Emma?
Como Emma vê seu marido? Justifique.

3.Compare o retrato da camponesa, que abre este capítulo, com a apresentação que Flaubert faz da vida de casados de Charles e Emma. Que semelhanças no olhar para a realidade podemos identificar entre o quadro e o texto? Explique.
4. Discuta com seus colegas: uma cena como a de Madame Bouary podería fazer parte de um romance romântico? Por quê?

Soluções para a tarefa

Respondido por makmorales
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Olá!

a) O trecho que mostra como Emma se sente em relação ao lugar onde eles vivem é o seguinte: "Quanto mais próximas ficavam as coisas, mais o seu pensamento se afastava delas. Tudo o que a rodeava de perto, os campos enfadonhos, os burguesinhos imbecis, a mediocridade da existência,"

b) Fica claro nas passagens do livro e do texto que Emma despreza o lugar onde está vivendo com o marido. Para ela, os campos a irritam, por isso são chamados de enfadonhos. Ela tampouco gosta das pessoas, considerava muitos deles burguesinhos imbecis.

c) A linguagem mostra o desprezo de Emma de forma muito transparente ao fazer uso de adjetivos, tal como no caso dos "campos enfadonhos" e quando ela chama seu marido de "pobre diabo". Ela sempre classifica as pessoas e as coisas como boas ou ruins.

3) A realidade do casamento, por vezes, choca os apaixonados. A chama acaba por falta de oxigênio, aos poucos, os defeitos se transformam em monstruosidades e passam a se tornar insuportáveis. O que antes era amor e fogo, se torna desprezo e indiferença. Flaubert  sintetiza essa ideia mostrando-nos a verdadeira face dos casamentos falidos.

4) Algumas cenas poderiam ser usadas para um romance romântico, mas o realismo não trata as relações, mesmo as mais apaixonadas, como um filme ou história romântica onde tudo termina bem no final. Por isso, uma obra completa que seja puramente romântica é pouco provável que siga as ideias do realismo.

Espero ter ajudado!


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