Carlos Drummond de Andrade
E assim aquela eficiente dona-de-casa do Leblon resolveu o problema do arroz, do feijão, da carne e de outras preciosidades da nossa era: mudando de mercearia.
- Não! - exclamou a amiga. Não vá me dizer que Nossa Senhora Aparecida desceu por aqui e montou um supermercado. Milagre não vale!
Pois não era milagre, quem falou nisso? Era apenas a Federação, que divide (e reúne) o Brasil em nações autônomas, com seus recursos econômicos e seu comércio próprios. Os novos fornecedores de Dona Araci ficam ali no Estado do Rio. Não é precisamente no bairro em que ela mora, mas o casal comprou um carrinho paulista, e o marido de Dona Araci é um amor: concordou em ir de lotação para o escritório. Ela pegou os dois garotos, botou-os no carro e tocou para o País da Fartura, Caxias chamado:
- Vocês dão um passeio e me ajudam a carregar os sacos.
O merceeiro de Caxias vendeu a Dona Araci umas duas arrobas de magnificente arroz, mas ponderou-lhe, com o saber de experiências feito:
- Madame não passa na barreira com esse sortimento. O máximo permitido são cinco quilos.
- Não seja por isso. Trouxe fronhas em quantidade, e vou transformar meus feijões e meu arroz em travesseiros para os meninos repousarem a cabeça - retrucou-lhe a precavida senhora.
Assim foi feito, e, de novo com o pé na tábua, a família voltou muito feliz para o País do Está-em-Falta, conhecido também por Guanabara.
Junto à barreira, a fila de caminhões e automóveis era longa, e os guardas procediam a uma investigação cabal. A Alfândega de Nova York não seria mais rigorosa, ao farejar entorpecentes ou engenhos nucleares. Alguns veículos retrocediam, e de outros os motoristas retiravam pacotes condenados, que eram entregues à lei, na pessoa de seus agentes implacáveis.
- Qual, não atravesso esse muro de Berlim - suspirou Dona Araci, desanimada. Eles fazem até radiografia da gente.
Nisso apareceu um cortejo fúnebre, que os guardas deixaram passar sem formalidades, dando-lhe preferência, e Dona Araci não teve dúvida: incorporou-se a ele, recomendando aos garotos:
- Vocês aí: façam cara triste!
E lá se foi o enterro, enorme. Que defunto seria aquele, tão estimado, a julgar pelo número de acompanhantes, pelas fisionomias compungidas? Eis que aparece o cemitério, na curva da estrada, e de súbito o imenso acompanhamento deixa o carro mortuário quase sozinho, com um ou dois carros na retaguarda, e toca para o Rio. Os motoristas interpelam-se aos gritos:
- Quantos quilos você trouxe?
- E você?
- E você?
Dona Araci não chegou a apurar quem era o morto a que prestara aquela homenagem de emergência. Os outros também não sabiam. E daí, talvez o caixão não contivesse nenhum defunto, quem sabe?
1 O texto lido é uma crônica, escrita por uma dos maiores nomes do Modernismo brasileiro “Carlos Drummond Andrade. Sobre o que trata o texto? *
3 pontos
A problemática sobre os preços dos alimentos no Brasil;
As blitz no Rio de Janeiro;
A falta de alimentos para as famílias de classe trabalhadora;
O luto.
Soluções para a tarefa
Resposta: 1-
A)Atualize as expressões a seguir use palavras e frases de sua linguagem cotidiana até mesmo gírias
Podemos encontrar no texto a presença da palavra "Mimosa", que atualmente pode ser compreendida como "charmosa" ou ainda, "bela".
B) há no texto alguma expressão que você e as outras pessoas de sua faixa de idade utilizam para se comunicar se houve transcreva
Podemos compreender que a ideia de dezoito anos ser uma passagem ainda está presente na atual sociedade.
C) transcreva uma expressão que pela estranheza você julga ser a mais antiga do texto
" as moças chamavam-se mademoiselles". O último termo da frase pode ser evidenciado como o grande e maior causador de estranheza.
D) Suponha que um amigo se eu tenho namorada e conversando com você diga que ela é Mimosa e prendada como você diria em relação a essa forma de falar empregada por ele
Diria da seguinte forma: "Sua namorada é bastante bonita além de esforçada.
Explicação: