Capítulo CXXXV
Otelo
Jantei fora. De noite fui ao teatro. Representava-se justamente Otelo, que eu não vira nem lera nunca; sabia apenas o assunto, e estimei a coincidência. Vi as grandes raivas do mouro, por causa de um lenço, -- um simples lenço! -- e aqui dou matéria à meditação dos psicólogos deste e de outros continentes, pois não me pude furtar à observação de que um lenço bastou a accender os ciúmes de Otelo e compor a mais sublime tragédia deste mundo. Os lenços perderam-se, hoje são precisos os próprios lençóis; alguma vez nem lençóis há e valem só as camisas. Tais eram as ideias que me iam passando pela cabeça, vagas e turvas, à medida que o mouro rolava convulso, e Iago destilava a sua calúmnia. Nos intervalos não me levantava da cadeira; não queria expor-me a encontrar algum conhecido. As senhoras ficavam quase todas nos camarotes, enquanto os homens iam fumar. Então eu perguntava a mim mesmo se alguma daquelas não teria amado alguém que jazesse agora no cemitério, e vinham outras incoerências, até que o pano subia e continuava a peça. O último acto mostrou-me que não eu, mas Capitu devia morrer. Ouvi as súplicas de Desdêmona, as suas palavras amorosas e puras, e a fúria do mouro, e a morte que este lhe deu entre aplausos frenéticos do público.
-- E era inocente, vinha eu dizendo rua abaixo; -- que faria o público, se ela deveras fosse culpada, tão culpada como Capitu? E que morte lhe daria o mouro? Um travesseiro não bastaria; era preciso sangue e fogo, um fogo intenso e vasto, que a consumisse de todo, e a reduzisse a pó, e o pó seria lançado ao vento, como eterna extincção...
Vaguei pelas ruas o resto da noite. Ceei, é verdade um quase nada, mas o bastante para ir até à manhã. Vi as últimas horas da noite e as primeiras do dia, vi os derradeiros passeadores e os primeiros varredores, as primeiras carroças, os primeiros ruídos, os primeiros albores, um dia que vinha depois do outro e me veria ir para nunca mais voltar. As ruas que eu andava como que me fugiam por si mesmas. Não tornaria a contemplar o mar da Glória, nem a serra dos Órgãos, nem a fortaleza de Santa-Cruz e as outras. A gente que passava não era tanta, como nos dias comuns da semana, mas era já numerosa e ia a algum trabalho, que repetiria depois; eu é que não repetiria mais nada.
Cheguei a casa, abri a porta devagarinho, subi pé ante pé, e meti-me no gabinete, iam dar seis horas. Tirei o veneno do bolso, fiquei em mangas de camisa, e escrevi ainda uma carta, a última, dirigida a Capitu. Nenhuma das outras era para ela; senti necessidade de lhe dizer uma palavra em que lhe ficasse o remorso da minha morte. Escrevi dous textos. O primeiro queimei-o por ser longo e difuso. O segundo continha só o necessário, claro e breve. Não lhe lembrava o nosso passado, nem as lutas havidas, nem alegria alguma; falava-lhe só de Escobar e da necessidade de morrer.
2-Na peça de Shakespeare, Otelo é enganado pelas aparências: não houve, em momento algum, um ato de traição por parte de sua mulher, Desdêmonia. Esse fato, porém, parece passar despercebido por Bentinho. Explique por que razão Bentinho não chama a atenção para o equívoco.
me ajudem!!!!!
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Resposta:
Bentinho faz uma comparação na introdução da sua história com o personagem Otelo do livro de Shakespeare. No livro do autor inglês, o Otelo é induzido por ciúmes a matar sua mulher. A comparação é bem pertinente, já que no livro de Machado de Assis, Bentinho é movido pelo ciúme de Capitu com seu amigo Escobar.
Machado de Assis, ao citar a obra inglesa tem a intenção de mesclar exemplos de arte, para instigar a comparação. A arte em suas diversas formas sempre procura meios de envolver o seu expectador a outros conhecimentos. Essas colocações são importantes para fazer o publico alvo se interessar mais pela obra, entender o contexto e fazer novas abordagens para além do que esta escrito ou foi falada na obra
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