Português, perguntado por iohana52, 2 meses atrás

Bobagens
Um programa como o de Jô Soares não é o melhor exemplo para ser estudado por
quem deseja descobrir como funciona uma entrevista. Um dos lugares comuns sobre a
questão diz que um bom entrevistador é o que faz o entrevistado falar até mesmo o que
ele não desejaria. O programa do Jô não é o melhor exemplo pela simples razão de que
o entrevistado dele é sempre uma escada: o que diz serve para uma tirada do
entrevistador. Dependendo do tema e do entrevistado, a coisa funciona bem. As vezes,
no entanto, a entrevista desanda. O que se explica facilmente: existem temas em relação
aos quais, mesmo lendo bastante, da cozinha ao teatro, Jô não tem a mínima habilitação.
Um dia desses os entrevistados eram Martinho da Vila e o Presidente de uma
Associação de Magistrados. Mesmo cansado, pensei em assistir. O Martinho é um
grande papo, e a questão do Judiciário está pegando fogo.
A conversa com Martinho ia bem, até que Jô perguntou sobre seu conhecimento
de linguas africanas, já que de alguns discos participam músicos angolanos cantando
músicas nativas. Martinho disse o óbvio: que, tendo estado na África várias vezes,
mesmo em temporadas curtas, aprendeu um pouco. Não conhece as línguas, mas se vira
(e acrescentou que o mesmo ocorre em relação ao francês, o que mostra que ele é
normal). Mas Jô o interrompeu para comentar que se pode aprender as linguas africanas
em pequenas temporadas, porque elas têm poucas palavras. E botou para
funcionar suas leituras de almanaque. Informou que em suaíli as palavras querem dizer
muitas coisas. E deu um exemplo, uma certa palavra que pode ser empregada em várias
situações. Decidi dormir, perdi a entrevista com o magistrado. Achei que não suportaria
uma lição de direito constitucional do mesmo nível.
mesmo
Disse que Jô acionou suas leituras de almanaque, mas a coisa é mais grave do que
isso: trata-se do grosseiro preconceito linguístico e cultural. Se a gente abre um
dicionário - Jô aparentemente abre, tem até vários em formato eletrônico -, a coisa mais
interessante que se pode descobrir é que todas as palavras têm muitos sentidos, que
todas as línguas são como o suaíli ou o suaíli é como todas as línguas.
Pode-se fazer isso aleatoriamente. Cito um exemplo do português e um do inglês.
Tome o verbo "ligar" e está lá: apertar, prender, unir, fazer aderir, estabelecer relações,
unir por vínculos morais e afetivos, prestar atenção, acionar o motor, fazer girar o disco
do telefone, unir em combinação química (ver o famoso Aurélio, que registra ainda
outros sentidos). Vejam agora a palavra inglesa "pack": para começar, pode ser verbo
ou nome. Alguns sentidos: coleção de coisas; pacote contendo um certo número de
coisas semelhantes; maneira pela qual alguma coisa é empacotada; grande quantidade;
grupo de animais que vivem juntos; soma total de algo, como frutas ou vegetais,
processadas ao mesmo tempo; comprimir na forma de massa compacta; ir embora
rapidamente, etc. (MacMillan Contemporary Dictionary). nuo auk
A experiência nossa de cada dia mostra que qualquer palavra tem muitos sentidos.
Que esse não é um "problema" de línguas faladas por povos considerados inferiores.
Com suas intervenções no campo, Jô confirma uma tese corrente e, por azar,
verdadeira: as línguas ainda são o espaço em que vigoram os mais grosseiros
preconceitos.
1) Qual é o assunto principal do texto?

Soluções para a tarefa

Respondido por pedromprimay
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Resposta:

Ofender a quem o-ler.

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