ASSALTO NUMA NOITE DE VERÃO
Era bom vê-la assim, à luz do fósforo, olhando para mim.
Não, não olhava para mim, pude verificar logo: olhava por cima do meu ombro para fora da janela.
Eu havia parado o carro um instante enquanto lhe acendia o cigarro. Vi seus olhos claros se dilatarem de horror: olha aí — ela conseguiu balbuciar. Voltei-me e por uma fração de segundo pensei que se tratasse de um importuno tentando me pedir ou vender alguma coisa. E dei com o cano do revólver brilhando a um palmo da minha testa. [...]
— Só quero o carro. Depois deixo por aí. Vai descendo senão atiro.
Falava rápido, nervoso, já abrindo a porta para que eu descesse. Eu me via de repente mergulhado numa atmosfera de sonho: era uma situação irreal, fora do tempo, desligada do mundo sensível que me cercava. Ao redor, a vida continuava, alheia àquela brusca interrupção na ordem natural das coisas, àquela inesperada inserção do fantástico no cotidiano. [...]
Então aquilo era um assalto, havia chegado enfim a minha vez. Pensamentos simultâneos me passavam pela cabeça naqueles poucos segundos: não perder de vista o revólver, não lhe dar as costas, desviar a atenção dele para mim. Senti com alívio que ela o obedecia em silêncio, deixando o carro e se afastando. Saí também em silêncio sem tirar dele os olhos. [...] Fui-me afastando, sempre de costas, com a sensação desagradável de que acabaria esbarrando no cano de outro revólver atrás de mim.
Não cheguei a ver se havia outros: ele entrou rápido no carro, cujo motor ficara funcionando. Falei qualquer coisa sobre deixar mesmo o carro na rua, ele retrucou:
— Nada de polícia, hein?
— Se possível na Zona Sul! — gritei ainda, não sei se chegou a ouvir: o carro já partia em disparada.
Não haviam decorrido trinta segundos desde que nos detivéramos ali. Até agora não sei se cheguei a acender aquele cigarro. [...]
E de repente, ao aproximar-nos do bar que era o nosso destino, foi-se a patetice da calma apenas aparente em que eu ficara: e se ele tivesse ordenado, como eu temia, “você desce, e ela fica”? [...] A simples ideia me fazia tremer, e ao contar a experiência os amigos no bar, tive de me fazer entender aos balbucios. Marcos Vasconcelos gentilmente se dispôs a levar-me até o distrito para dar queixa.
E foi assim que comecei por quebrar o compromisso assumido tacitamente com o assaltante.
No que bem andei — pois dez minutos depois chegava à delegacia um guarda com o número de meu carro (anotado na palma da mão): já haviam assaltado com ele um posto de gasolina na Lagoa.
[...]
Alguém me advertiu que carro abandonado na rua, como seria o caso do meu, acaba recolhido ao depósito, sem que a polícia chegue a tomar conhecimento. [...]
Durante vários dias, percorri tudo quanto é depósito de carros que existe na cidade. [...] Não encontrei.
Dezessete dias se passaram, e eu já convencido de que os assaltantes desta praça não têm palavra. Até que hoje de manhã... Bem, devo dizer que, de minha parte, deixei de cumprir o trato reportando-me à polícia, porque assalto é assalto, e brincadeira tem hora. Mas confiava em que o homem fosse compreensivo sobre este particular e não deixasse de cumprir sua palavra.
E não confiei em vão: hoje de manhã, alguém telefonou para dizer que meu carro, absolutamente intacto, estava há dezessete dias abandonado na rua. Uma rua da Zona Sul.
Vocabulário
SABINO, Fernando. Deixa o Alfredo falar! 11a ed. Rio de Janeiro: Record,1985.
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Resposta:
Não tem pergunta alguma no texto então não tem forma de responder
Explicação:
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