Português, perguntado por ricardomgaspar1, 8 meses atrás

Ao primo canto do galo, a festa acabou. Como por encanto, a
música cessou, a luz se apagou, as janelas do casarão no fim da rua se
fecharam. Ninguém saiu, ninguém entrou. Como sempre.
Os vizinhos já tinham presenciado aquilo algumas vezes, mas
nunca se acostumaram. Antes, ainda se aproximavam da casa
iluminada, intrigados por não terem visto ninguém chegar nem
entrar. Nada se via lá dentro, embora a musica tocasse e o vozerio
saísse pelas janelas. Estas eram altas, é verdade, mas permitiriam pelo menos divisar cabeças, o que não
acontecia. A porta da frente sempre ficava fechada.
O pessoal então voltava no mesmo pé, se benzendo. No início, chegaram até questionar a senhora que ali
morava sobre aquelas manifestações, mas ela respondera secamente:
_ É um encontro de velhos amigos!
Dona Mercedes morava sozinha e reclusa, desde que ficara viúva havia vários anos. Não tinha filhos nem
parentes vivos. Ninguém a visitava regularmente, só uma antiga empregada, Otília, que ainda vinha fazer o
serviço diário. Ela mesma nunca vira nada de extraordinário por lá, e, um tanto seca, não gostava de conversar
sobre os hábitos de sua patroa. Cortava sempre a curiosidade alheia. Toda quinzena ela trazia uma sobrinha
para ajudá-la na faxina.
De dia, havia algum movimento lá dentro, principalmente na cozinha e nas dependências de trás. À tardinha,
entretanto, a empregada se retirava e o silêncio caía sobre o casarão. Dona Mercedes ficava só, com as suas
lembranças.
Quando a solidão apertava, ela resolvia dar uma festa. Para seus convidados.
A casa era toda decorada com móveis e peças antigas e valiosas, resquícios de um passado opulento.
Pratarias, faianças, louças e cristais estrangeiros se distribuíam pelos ambientes. Toda semana dona Mercedes,
pessoalmente, supervisionava a faxina da casa, principalmente a cuidadosa limpeza de suas antiguidades.
Otília ficava imaginando para quem iria aquilo tudo depois que ela morresse. Que soubesse, de conhecido
dona Mercedes só tinha um velho advogado que cuidava de seus interesses e que a visitava duas vezes por ano,
para assinatura de papéis.
No grande salão de visitas, havia um quadro que cobria boa parte da parede. Retratava uma festa, gente
sentada conversando, outras de pé, pares dançando ao som de uma orquestra de cordas, ao fundo. Todos
bonitos, muito bem vestidos, como antigamente. As fisionomias eram familiares à velha senhora.
Alguns anos após perder o marido e sentindo a saudade, a solidão e o peso da idade chegarem, dona
Mercedes encomendou a tela a um pintor famoso. Entregou-lhes vários retratos, do marido, de parentes e
amigos mais próximos, já mortos, todos queridos, com as seguintes recomendações: os retratados deveriam
mostrar-se alegres, sorridentes, seus rostos voltados para frente; os olhos convergindo para um ponto de tal
forma que, de qualquer parte da sala onde estivesse o observador, todos estariam olhando para ele.
O salão normalmente ficava fechado e só era aberto para a faxina ou quando dona Mercedes dava seus
saraus.
Nessas ocasiões, após a saída da empregada, ela se vestia a caráter, acendia as luzes da casa, abria os
janelões e colocava no toca-fitas uma gravação de som ambiente de festa, com conversas, risos e música ao
fundo, única concessão moderna que aceitara em sua vida, por conveniência.
Sentava-se então na poltrona em frente ao quadro, com uma taça de vinho na mão, e seu espírito se
integrava ao ambiente da tela, conversando e confraternizando-se com os entes queridos.
Um dia, a gravação se calou, as luzes não se apagaram quando o galo cantou. A manhã chegou e as janelas
continuaram abertas. Quando Otília a encontrou, a velha senhora estava ainda em sua poltrona. Parecia dormir
serenamente, com a taça tombada aos pés e o vinho derramado no tapete.
No quadro em frente, as figuras agora tinham os rostos sérios, tristes, lágrimas escorridas pelas faces. Os
instrumentos pendiam inertes das mãos dos músicos.
Não mais se dançava, não mais se conversava, não mais haveria festas naquela casa.
Carlos Eugênio Junqueira Ayres. Jornal A Tarde. Salvador.
Vocabulário : ao primo canto do galo: expressão antiga para referir-se ao primeiro canto do galo; ao amanhecer
reclusa: encerrada, presa, encarcerada.
Resquícios: resíduos,
vestígios Opulento: de grande riqueza; rico; abastado.
faianças: louças de barro esmaltadas
INTERPRETAÇÃO TEXTUAL
1- O conto narra a vida reclusa de uma senhora e as festas que fazia como forma de lidar com a solidão. Nos dias
de festa, que fato causa estranhamento e atribui um clima de mistério ao conto?

Soluções para a tarefa

Respondido por julianamorena31
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Resposta:

aonde estão os verbos no primeiro segundo paragrafos ?

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