[...] Andaram na praia, quando saímos, oito ou dez deles; e daí a pouco começaram a vir mais. E parece- -me que viriam, este dia, à praia, quatrocentos ou quatrocentos e cinquenta. Alguns d eles traziam arcos e flechas, que todos trocaram por carapuças ou por qualquer coisa que lhes davam. Comiam conosco de tudo que lhes oferecíamos. Alguns deles bebiam vinho; outros não o podiam suportar. Mas quer-me parecer que, se os acostumarem, o hão de beber de boa vontade. Andavam todos tão bem-dispostos, tão benfeitos e galantes com suas tinturas que muito agradavam. Acarretavam dessa lenha, na maior quantidade que podiam, com muita boa vontade, e levavam-na aos bateis. E estavam já mais mansos e seguros entre nós do que nós estávamos entre eles. Foi o Capitão com alguns de nós um pedaço por este arvoredo, até um ribeiro grande e de m uita água, que ao nosso parecer é o mesmo que vem ter à praia, onde nós tomamos água. Ali descansamos um pedaço, bebendoe folgando, ao longo dele, entre esse arvoredo que é tanto e tamanho, e tão basto e tanta qualidade 95 «f de folhagem que não se pôde calcular. Há lá muitas palmeiras, de que colhemos muitos e bons palmitos. Quando saímos do batei, disse-nos o Capitão que seria bem que fôssemos diretamente à cruz que estava encostada a uma árvore, junto ao rio, a fim de ser colocada amanhã, sexta-feira, e que nos puséssemos todos de joelhos e a beijássemos para que eles vissem o acatamento que lhe tínhamos. E assim fizemos. E a esses dez ou doze que lá estavam, acenaram-lhes que fizessem o mesmo; e logo foram todos beijá-la. Parece-me gente d e tal inocência que, se nós entendéssemos a sua fala e eles a nossa, seriam logo cristãos, visto que não têm nem entendem crença alguma, segundo as aparências. E, portanto, se os degredados que aqui hão de ficar aprenderem bem a sua fala e os entenderem, não duvido que eles, segundo a santa tenção de Vossa Alteza, se farão cristãos e hão de crer na nossa santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que os traga, porque certamente esta gente é boa e de bela simplicidade. E imprimir-se-á facilmente neles todo e qualquer cunho que lhes quiserem dar, uma vez que Nosso Senhor lhes deu bons corpos e bons rostos, como a homens bons. E o fato de Ele nos haver até aqui trazido, creio que não o foi sem causa. E portanto Vossa Alteza, que tanto deseja acrescentar à santa fé católica, deve cuidar da salvação deles. E aprazerá a Deus que com pouco trabalho seja assim!
(CASTRD, Silvio (Intr., atualiz. e notas). A Carta de Pero Vaz de Caminha. Porto Alegre: L6PM, 2003. p. 110-111. (Fragmento).
1. Nesse trecho da C a rta , é possível perceber que o primeiro contato entre portugueses e índios foi bastante amistoso. Que informações do primeiro parágrafo comprovam essa afirmação?
a) Como os índios são retratados por Caminha?
b) O que as expressões utilizadas para caracterizar os índios enfatizam?
c) O que Caminha procura mostrar ao enfatizar essas características?
2. Releia. “£ imprimir-se-á facilmente neles todo e qualquer cunho que lhes quiserem dar, uma vez que Nosso Senhor lhes deu bons corpos e bons rostos, como a homens bons."
a) O trecho destacado revela os princípios que nortearam a colonização portuguesa. Explique por quê.
b) Além de encontrar ouro e metais preciosos, os portugueses tinham outro objetivo para a terra recém-descoberta. Explique qual era esse objetivo e transcreva no caderno o trecho em que ele fica explícito
3. Que elementos do texto indicam a visão de um homem europeu que desconsidera a cultura indígena?
► É possível explicar o processo de aculturação dos índios a partir dessa visão de mundo do colonizador? Por quê?
Soluções para a tarefa
1- O trecho que diz: " comiam conosco de tudo que oferecíamos, alguns deles bebiam vinho; outros não podiam suportar".
a) Carminha retrata-os dizendo que eles "
andavam todos tão bem-dispostos, tão benfeitos e galantes com suas tinturas
que muito agradavam. Acarretavam dessa lenha, na maior quantidade que podiam,
com muita boa vontade, e levavam-na aos bateis".
b) Descreve - os como seres inocentes, que seriam facilmente
convertidos à fé católica, devido a simplicidade dos nativos.
c) Que não teriam dificuldades alguma em lidar com os índios,
eles não seriam impedimento par ao s intentos de Portugal nas novas terras.
2-
a)O trecho remete a facilidade de lidar com os índios, que
poderiam ser dominados conforme os interesses dos portugueses.
b) Eles tinham objetivo de expandir a fé católica "E o fato de Ele nos haver até
aqui trazido, creio que não o foi sem causa".
3- a) No texto mostra que os portugueses não tinham noção alguma que os
nativos desconheciam sua cultura e fé. Os portugueses logo julgaram os índios
baseando-se nos seus próprios princípios de conhecimento.
b) É possível sim, pois, ao nativo foi durante o processo de colonização impostos conceitos culturais dos portugueses e colonizadores não aceitavam outro tipo que cultura a não ser a sua.