AJUDA?
Brilhante, Adamastor
Com seu nome de gigante e sua alma de gnomo, ele vai até o fim, até deixar o mundo um pouquinho pior.
Este ano o verão demorou a chegar e parece querer compensar o atraso trabalhando dobrado. Subo a Angélica de carro e vejo um amigo a pé, pela calçada. Ele sua, bufa e resmunga qualquer coisa, provavelmente contra o sol, a gravidade, nossa condição bípede, Deus e todos os santos. Dou uma buzinada, abro o vidro, pergunto aonde vai, diz que ao fórum de Pinheiros. Vou para perto, ofereço uma carona. Ele salta pra dentro do carro e logo fico sabendo que sua infelicidade tem menos a ver com verão do que com o vizinho, um sujeito de maus bofes chamado Adamastor.
Meu amigo é educado e pacífico. Não cito seu nome, pois é réu num processo aberto pelo tal Adamastor no Tribunal de Pequenas Causas; não quero prejudicá-lo. Vamos chamá-lo de Ivo, nome que me parece adequado a um sujeito educado e pacífico. Assim como Adamastor cabe perfeitamente a um homem ignorante e agressivo -e vejam a coincidência, pois Adamastor é mesmo o nome do vizinho, que faço questão de citar para que se cubra de infâmia. Adamastor. Adamastor. Adamastor.
Ivo mora numa casa térrea. A casa fica de lado pra rua, de frente pra um jardinzinho comprido e prum muro de quatro metros de altura. Do outro lado do muro vive o Adamastor, mas Ivo nunca se lembra disso ao abrir a porta, todas as manhãs, pois entre o Adamastor e meu amigo, além do muro, há uma enorme trepadeira, uma tela verde de 4 x 10 metros, que o próprio Ivo plantou faz uma década, e ali está a embelezar sua vista e purificar o ar da cidade.
Se todos tivessem trepadeiras como a do Ivo, talvez não fizesse tanto calor. Talvez o verão não demorasse a chegar nem estivesse trabalhando dobrado. Talvez ainda houvesse garoa. Talvez o mundo estivesse salvo. Mas o mundo não está salvo, há menos trepadeiras do que sujeitos feito o Adamastor que, vejam só, encasquetou que a planta deixa sua casa úmida e que o Ivo precisa arrancá-la.
Eu disse que o Ivo era educado e pacífico. Não minto. Quando o Adamastor apareceu, trazendo o cunhado para intimidar, meu amigo ouviu calmamente sua queixa. Disse que ia chamar um engenheiro capaz de dizer se a trepadeira era a culpada pela umidade e, caso se confirmasse a suspeita, ele a cortaria. "É a trepadeira!", afirmou o Adamastor, com aquele pequeno gozo sadomasoquista de quem acredita que o próprio sofrimento é fruto única e exclusivamente do prazer alheio e que, uma vez exterminada a alegria do outro, seu incômodo cessará, na triste matemática dos egoístas, onde só existe a soma zero.
Pois bem, meu amigo chamou não um nem dois, mas três engenheiros. Todos disseram, na frente do Adamastor, que a trepadeira é inocente. Que a umidade vem do chão, do lado da casa do querelante, mas Adamastor não aceita e, 15 dias atrás, ao abrir a porta, Ivo encontrou, além da trepadeira, uma intimação judicial. Adamastor está levando a trepadeira aos tribunais. Não lhe importam a engenharia, a botânica, a lógica. O negócio é pessoal. Com seu nome de gigante e sua alma de gnomo, ele vai até o fim, até arrancar a trepadeira, até deixar o mundo um pouquinho pior e poder gozar, em sua toca úmida e abafada, o triunfo de sua mediocridade. Brilhante, Adamastor.
1) Uma das características que o enunciador atribui a Ivo é ser educado e pacífico. Relacione ao desenvolvimento da crônica.
a) Que ações empreendidas por essa personagem poderiam justificar a atribuição dessa característica?
Soluções para a tarefa
Eu peguei os trechos em que posso fazer uma análise da qualidade do personagem Ivo, de ser educado e pacífico, e vou discorrer sobre cada um deles.
Meu amigo é educado e pacífico... é o que diz o relato, mas por que ele o pensa assim?
[...] não quero prejudicá-lo. -
Comentário: aqui já reside um argumento. Pelo amigo ser considerado como já mencionando, o eu lírico não tem intenção em causar-lhe mal.
[...] Vamos chamá-lo de Ivo, nome
que me parece adequado a um sujeito educado e pacífico -
Comentário: Não tenho certeza se isso foi realmente planejado pelo autor, mas se procurar o significado de Ivo encontrará proximidade a Deus, à sua graça, ao seu perdão. Isso deixa claro que se trata de uma alegoria pacífica da personagem, muito provavelmente, premeditada pelo autor.
[...]Do outro lado do muro vive o Adamastor, mas Ivo nunca se lembra disso ao
abrir a porta, todas as manhãs, pois entre o Adamastor e meu amigo, além do
muro, há uma enorme trepadeira, uma tela verde de 4 x 10 metros, que o próprio
Ivo plantou faz uma década, e ali está a embelezar sua vista e purificar o ar
da cidade. -
Comentário: Vemos o costume de Ivo de plantar trepadeiras em prol de embelezar e purificar a sua casa e sua cidade, desta maneira, construímos um personagem consciente, de valores, que pensa no próximo.
[...]Se todos tivessem trepadeiras como a do Ivo [...]Talvez o mundo
estivesse salvo -
Comentário: Exatamente isso, se todas as pessoas pensassem no bem do outro, o verão não aconteceria tardio, como diz o eu lírico. Não é uma trepadeira que traz problemas, é uma que torna eles menores.
Adamastor - Vale dizer que o nome reflete ao nome do Gigante dos Lusíadas de Camões, que truculento tentou tomar Tétis, a nereida, à força, e irritado com tal ato, Júpiter (Zeus) o castigou transformando o gigante no Cabo das Tormentas. Outra alegoria, a truculência do Gigante refletida neste Adamastor.
[...]meu amigo ouviu calmamente sua queixa. Disse que ia chamar um engenheiro
capaz de dizer se a trepadeira era a culpada pela umidade e, caso se
confirmasse a suspeita, ele a cortaria -
Comentário: Ivo ouviu atentamente e o que Adamastor tinha a dizer, e argumentou dizendo que faria o possível para que pessoas especializadas dissessem se a trepadeira estaria mesmo atrapalhando ou não a vida de Adamastor.
O autor ainda frisa que ele não contrata apenas um mas três engenheiros que dizem o mesmo ao "gigante". A culpa não é da trepadeira.
Ivo em momento algum discute, na verdade utiliza da dialética para fundamentar seus argumentos e não entrar em conflito