AFINIDADES: OLHOS DE DENTRO
(...)
Bom mesmo foi ter amigos. Não amigos de passos paralelos, com os quais eu só podia falar coisa pensada e repensada para não assustar.
Gostoso foi ter plenitude de voz e atitudes. Falar do que quisesse, ter a resposta para tudo e acreditar que tudo era possível, o mundo simples e aberto.
Um dia eu precisei saber quem teria feito o trinquinho da portinha da casinha da lua.
– Psssiu! – chamei. – Onde você se escondeu?
Minha aranhinha não respondeu, nem botou a cara nos vãos das telhas.
– Não gosto dessa brincadeira. Você sabe.
Nada.
– Vou contar até três: um, dois, três.
Nem sinal.
Apavorei-me.
Olhos arregalados, revirei todos os cantos do telhado. Não a encontrei.
Empurrei a porta e vi, achatada no batente, pequena, sem cara, sem pernas, seca, minha aranhinha. Só o corpinho estraçalhado grudado na madeira.
Estremeci. Quis pegá-la para tentar ao menos abrir-lhe os olhos de dentro, mas, ao tocá-la, desfez-se em pó e uma rajada de vento espalhou-a por espaços desmedidos.
Comecei a chorar. Não bastava. A tristeza não saía. Quis me morrer, não pude. Me morrer eu não sabia. Gritei:
– Zezinho! Zezinho!
Calei-me porque lembrei que ele não estava. Tinha ido com minha mãe emprestar não sei o que da dona Ernestina.
Saí do quarto e sentei-me na escada para esperá-lo e pedir socorro.
Mas, quando ele chegou, lembrei que não poderia dar a notícia assim de qualquer jeito. Criança é fraca, eu sabia.
Enquanto esperava o momento oportuno, uma dúvida terrível me assaltou.
– Zezinho, você acha que no céu tem comida de aranha?
Ele não respondeu, e eu silenciei perdoando.
– Você acha que céu de gente é maior ou menor que o céu dos bichos?
Ele de novo não me respondeu e de novo silenciei perdoando.
– Será que Deus mesmo é que põe rubim socado nos machucados de gente morrida ou ele manda São Pedro ou outro santo colocar?
– Chi... Não sei – respondeu ele sem me olhar.
Pegou seu papagaio de jornal e saiu apressadinho.
Senti que seus olhos internos, como os olhos dos outros, olhavam agora para outra direção.
Vesgos, se desviaram do meu rumo e me deixavam, desde então, órfã de afinidade e crença.
O Zezinho se misturou nas besteiras dos homens e estes, do tamanho natural, não me davam espaço para alcançá-los, nem faziam nada para que eu, no mínimo, pudesse ter passadas mais largas.
Quando eu perguntava de que cor era o céu, me respondiam o óbvio: Bonito, grande, azul, etc. Não entendiam que eu queria saber do céu de dentro. Eu queria a polpa, que a casca era visível. Por isso foi que resolvi manter contato com as pessoas só em casos de extrema necessidade.
Ao contrário dos seres humanos, os animais se mostraram amigos e coerentes
Aprendi a falar com eles. Imitava todo e qualquer pássaro da região. Tirava de letra todas as mensagens dos cães, gatos, cavalos, formigas, baratas, etc.
Quando para rir eu imitava as coleirinhas, para negar alguma coisa, latia, ou para pedir, miava, as pessoas começaram a me olhar torto.
Foi por isso que me botaram uma correntinha com um crucifixo no pescoço, aconselhados pelo padre da igrejinha local. Ensinaram-me o pai-nosso-que-estais-no-céu com o seja-feita-a-vossa-vontade.
Fiz todas as vontades, dentro do meu limite de compreensão.
(Geni Guimarães. A cor da ternura. São Paulo: FTD, 1992. Adaptado.)
Analise as afirmações a seguir:
I. O narrador participa ativamente da história.
II. No texto há indicação de tempo (quando) e espaço (onde).
III. Foram apresentadas as descrições físicas e psicológicas das personagens principais envolvidas na história.
É correto o que se afirma em
I apenas.
II apenas.
I e II apenas.
I e III apenas.
Soluções para a tarefa
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Resposta:
I sim
II sim
III e III apenas
Explicação:
eu não sei se está certo, mas espero ter ajudado!
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