Aeroporto ou Rodoviária?
10 de fevereiro de 2014
por José Roberto de Toledo
Uma professora-doutora da universidade da elite do Rio de Janeiro fotografa homem de bermuda e camiseta regata que estava no aeroporto Santos-Dumont, e publica no Facebook, sob a indagação: “Aeroporto ou rodoviária?”. Nos comentários, compara seus trajes ao de um estivador (carregador de carga de navios) e arremata: “O pior é que o Mr. Rodoviária está no meu voo. Ao menos, não do meu lado. Ufa!”.
Em 24 horas, a longeva carreira acadêmica da professora-doutora especializada em “português como segunda língua” estava relegada à décima página de resultados da busca pelo seu nome no Google. A primeira centena de links leva à história do Mr. Rodoviária – que se identificou e fala em processo. Mínima parte cita o envergonhado pedido de desculpas da professora-doutora.
O episódio é fascinante sob qualquer ângulo que se queira olhar. O mais óbvio é o efeito Big Brother. A sensação que o internauta tem de penetrar um círculo fechado e descobrir o que as pessoas realmente pensam e são capazes de dizer quando se acham dispensadas do politicamente correto e da mínima cortesia.
Soa exagerado de tão cru. Se fosse cena de novela, seria forçada demais e perderia credibilidade. Mas, como os personagens têm nome, cargo e página no Facebook, o exagero vira revelação: “Ah, é isso que eles acham”. Cai-se no estereótipo oposto. Se o emergente parece estivador, é peludo e ultrapassa os limites, a elite é cruel e segregacionista – sem exceções.
Destila ainda do episódio uma ingênua nostalgia. A crença numa fantasia comercial. “Glamour de voar?”. Um voo de carreira é das experiências mais desagradáveis que há: fila de check-in, fila para despachar bagagem, fila para passar no raio X, fila para embarcar, para pegar a mala. Horas confinado em espaço apertado, respirando ar seco e, quando há, comendo comida requentada.
O tal glamour só existiu nas propagandas e nos filmes destinados a convencer o público de que pagar caro por horas de tormento é um privilégio. Poderia a elite intelectual sentir falta de algo que jamais existiu? Ou a nostalgia é uma metáfora? Será
saudade de quando as divisões sociais eram claras, os espaços públicos eram exclusivos e as distâncias entre classes, intransponíveis?
Uma parte importante da sociedade brasileira incomoda-se com a novidade de um mercado de massa que nivelou o jogo via acesso quase universal ao consumo. Os incomodados não são os super-ricos, que continuam inalcançáveis. A aproximação dos que vêm de trás perturba quem já estava no meio e se sente igualado ou até superado por quem chegou agora e já quer sentar na janelinha.
Raras vezes esse conflito apareceu tão explícito quanto no caso da professora doutora e seu Mr. Rodoviária. Mas a raridade tende a desaparecer mais rápido do que o glamour de voar.
1. Por que a pergunta (aeroporto ou rodoviária?) da professora evidenciou seu preconceito social?
2. O autor do artigo de opinião, compartilha a mesma ideia de glamour apresentada pela professora? Explique.
3. Por que o autor do texto considera o episódio uma situação típica de Big Brother?
4. De acordo com o texto, o que mais gerou pesquisas no Google?
5. No trecho:
"A aproximação dos que vêm de trás pertuba quem já estava no meio e se sente igualado ou até superado por quem chegou agora e já quer sentar na janelinha."
Quem são essas pessoas que querem sentar na janelinha e por que elas incomodam os que já estão no meio?
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