Português, perguntado por Robson24062019, 6 meses atrás

(Adaptação Enade 2014)

A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: "assim eu quereria o meu último poema". Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica.

Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome.

Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês.

O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho - um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular. (SABINO, Fernando. A última crônica. In: A companheira de viagem. São Paulo: Record, 1998, p.174).



A crônica literária é tangenciada pelo recurso da metáfora e, por isso, mantém contatos fronteiriços com a poesia. Nela são utilizados, geralmente, elementos associados à memória, à imaginação e à criação artística.



Considere os fragmentos a seguir, retirados da crônica de Fernando Sabino:



I. “torno-me simples espectador e perco a noção do essencial”.

II. “recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano.”

III. “Não sou poeta e estou sem assunto”.

IV. “O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão”



Assinale os fragmentos que apresentam marcas da linguagem poética:



( )I, III e IV.


( )I, II e IV.


( )I, II e III.


( ) II e III.


( x ) I e II.

Soluções para a tarefa

Respondido por robsonsilvavis
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Resposta:

| e || ( corrigida) no ava


Robson24062019: obrigado!
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