A quem é atribuída a responsabilidade do menino de rua se tornar um ser humano violento?
Soluções para a tarefa
Não é tarefa fácil identificar o lugar e a função do psicólogo na política atual de assistência aos meninos na sua relação com a rua. Vamos partir de questões do cotidiano dos Programas de Atendimento, para introduzir ques-tionamentos, pois é no interior destes Programas que os psicólogos são chamados a intervirem. Primeiramente, é preciso trazer um pouco de história. Vejamos alguns aspectos da assistência em Minas Gerais e algumas considerações sobre a política nacional.
É preciso sublinhar que estes Programas de Assistência aos meninos de rua estão inscritos no âmbito geral das políticas sociais do país, sempre marcadas pela hesitação, senão pelo descompromisso governamental no qual os recursos financeiros são poucos e a vontade política, quase sempre, ausente.
As medidas de assistência ao menor sempre foram definidas a partir de critérios legais. O código de menores definia a política dirigida àqueles que, inseridos na miséria de suas famílias, tornavam-se dependentes da ajuda pública. Presidido por uma tônica corretiva - educar e disciplinar moral, física e civicamente os menores vistos como produtos de pais irresponsáveisou da orfandade, o código já dispunha da internação como solução do problema do menor. O problema situado nas famílias, diluía a questão fundamental geradora dos chamados menores- a desigualdade social.
Firmado numa perspectiva individualizante do problema, a solução estava posta - internação destas crianças e adolescentes em instituições educacionais onde teriam corrigidos os erros e defeitos de sociabilidade adquiridos ou através da família ou da orfandade.
Em 1941, uma lei governamental criava o SAM - Serviço de Assistência ao Menor, que ensejava ir além do caráter normativo do código, centralizando a execução de uma política nacional de assistência. O fracasso dessa experiência de confinamento e exclusão das crianças e adolescentes do contexto marginalizador, vazou os muros do SAM e as estatísticas apontavam para um aumento crescente e significativo da delinquência. Dez anos depois desta constatação, o Estado, pressionado pela sociedade, propõe a criação de uma Entidade Liberal que buscasse a humanização do atendimento condenado à internação. Assim, em 1964, é criada a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor - Funabem, gerada nos laboratórios da ditadura no Brasil, da qual foi a expressão viva e concreta, para responder à falência do SAM e para formular e implementar uma política nacional de assistência.
Absorvendo os recursos das burocracias estaduais de assistência, são instituídas as Fundações Estaduais do Bem-Estar do Menor - Febem, em substituição ao DSM - Departamento Social do Menor.
Resulta desta centralização normativa, política e financeira exercida pela Funabem, a incapacidade prática das Fundações Estaduais e das Entidades Convenentes, que além de não poderem definir os recursos segundo as necessidades de cada Estado, deveriam adaptarem-se às definições vindas de cima.
Neste cenário, a Febem/MG toma a dianteira de uma discussão nacional da política de bem-estar do menor. Evoluindo no sentido de uma instituição completa, fechada e segregativa, reproduziu ao longo de quase duas décadas toda uma estrutura de controle social das crianças e adolescentes, em detrimento de sua assistência. As Unidades de Atendimento eram, dotadas de escola formal, pequenos ambulatórios ou hospitais, esporte, lazer e cultura, mantendo excluídos da comunidade seus filhos, contrariando seu principal objetivo - de socialização dessas crianças e jovens.
O então dirigente da Febem/MG12 abre à comunidade as clausuras da Febem e convida aos educadores e trabalhadores da instituição, a desfebenizarem-se. Denuncia o binômio segurança e desenvolvimento como interpretado e vivenciado como controle social e crescimento econômico. O conjunto das modalidades de atendimento no Brasil poderia ser assim resumido: apreensão triagem - rotulação - deportação - confinamento. As crianças e adolescentes das regiões metropolitanas eram deportadas para o interior dos Estados, ficando cada vez mais impossível seu retorno ao grupo de origem. Dizia seu dirigente:
Os órgãos de Bem-estar do Menor devem ser encarados e assumidos não como políticas sociais a serem otimizadas em sua implementação, mas sim, como massas falidas cujo dirigente deve ter o espírito de um síndico na definição do que fazer com a herança trágica de um passado autoritário ainda fresco nos corações e mentes de quantos os vivenciamos. (Costa, 1985).