A beleza dos pássaros em voo...
Rubem Alves
Eu nunca imaginei que seria escritor. Não me preparei para isso. Conheço pouco da tradição literária. A literatura me chegou sem que eu esperasse, sem que eu preparasse o seu caminho. Chegou-me por meio de experiências de solidão e sofrimento.
A solidão e o sofrimento me fizeram sensível à voz dos poetas. A decisão foi tomada depois de completar 40 anos: não mais escreveria para os meus pares do mundo acadêmico, filósofos ou teólogos. Escreveria para as pessoas comuns. E que outra maneira existe de se comunicar com as pessoas comuns que simplesmente dizer as palavras que o amor escolhe?
Fernando Pessoa declara que “arte é a comunicação aos outros de nossa identidade íntima com eles”. Toda alma é uma música que se toca. Quis muito ser pianista. Fracassei. Não tinha talento. Mas descobri que posso fazer música com palavras. Assim, toco a minha música... Outras pessoas, ouvindo a minha música, podem sentir sua carne reverberando como um instrumento musical. Quando isso acontece, sei que não estou só. Se alguém, lendo o que escrevo, sente um movimento na alma, é porque somos iguais. A poesia revela a comunhão.
Não escrevo teologia. Como poderia escrever sobre Deus? O que faço é tentar pintar com palavras as minhas fantasias – imagens modeladas pelo desejo – diante do assombro que é a vida. Se o Grande Mistério, vez por outra, faz ouvir a sua música nos interstícios silenciosos das minhas palavras, isso não é mérito meu. É graça. Esse é o mistério da literatura: a música que se faz ouvir, independentemente das intenções de quem escreve. É por isso que poesia, como bem lembrou Guimarães Rosa, é essa irmã tão próxima da magia... Poesia é magia, feitiçaria... O feiticeiro é aquele que diz uma palavra e, pelo puro poder dessa palavra, sem o auxílio das mãos, o dito acontece. Deus é o feiticeiro-mor: falou e o universo foi criado. Os poetas são aprendizes de feiticeiro. O desejo que move os poetas não é ensinar, esclarecer, interpretar. Essas são coisas da razão. O seu desejo é mágico: fazer soar de novo a melodia esquecida. Mas isso só acontece pelo poder do sangue do coração humano.
Escrevi, faz muitos anos, uma estória para a minha filha de quatro anos. Era sobre um Pássaro Encantado e uma Menina que se amavam. O Pássaro era encantado porque não vivia em gaiolas, vinha quando queria, partia quando queria... A Menina sofria com isso, porque amava o Pássaro e queria que ele fosse seu, para sempre. Aí ela teve um pensamento perverso: “Se eu prender o Pássaro Encantado numa gaiola, ele nunca mais partirá e seremos felizes, sem fim...”. E foi isso que ela fez. Mas aconteceu o que ela não imaginava: o Pássaro perdeu o encanto. A Menina não sabia que, para ser encantado, o Pássaro precisava voar... Dei-me conta de que essa estória é uma parábola da teologia. Existe sempre a tentação de prender o Pássaro Encantado, o Grande Mistério, em gaiolas de palavras. O poeta é aquele que ama o Pássaro em voo. O poeta voa com ele e vê as terras desconhecidas a que seu voo leva. Por isso não há nada mais terrível para um poeta que ver um Pássaro engaiolado... Daí que ele se dedique, hereticamente, à tarefa de abrir as portas das gaiolas para que o Pássaro voe... E é para isso que escrevo: pela alegria de ver o Pássaro em voo.
Em certos momentos, o narrador resolveu escrever para “pessoas comuns”. Deduza:
a.
O que ele escrevia antes? Para quem escrevia?
b.
Segundo o texto, a comunicação com pessoas comuns se constrói com palavras que o amor escolhe. Levante hipóteses: Como eram os textos que o narrador escrevia antes?
Soluções para a tarefa
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2
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qual o pontos importantes desse pontos
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