6) Por que uma crise humanitária como a do coronavirus influencia tanto na economia
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A presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima; o ex-diretor da ENSP, Paulo Marchiori Buss; e o pesquisador da Fiocruz Minas, Rômulo Paes-Sousa, redigiram o artigo A pandemia de Covid-19: uma crise sanitária e humanitária, publicado no Cadernos de Saúde Pública, da Escola. Seria ela um fenômeno inevitável diante da relação que os humanos mantêm com os diversos ecossistemas, ou o desfecho episódico da forma como se produz e se consome bens e serviços no mundo?, questionam os autores. O texto é produto do debate realizado entre eles no Ciclo de Estudos - Saúde e Ambiente, Saúde do Trabalhador e Emergência em Saúde - Covid-19, organizado e mediado pelo pesquisador da Fiocruz, Guilherme Franco Netto. Confira!
“Em 2020, a pandemia da COVID-19 tem levado quase todo o planeta a uma crise sanitária e humanitária, testando a espécie humana em várias dimensões. A pergunta que se eleva sobre tantas dúvidas é: seria ela um fenômeno inevitável diante da relação que os humanos mantêm com os diversos ecossistemas e as demais espécies animais e vegetais? Ou em uma abordagem simplificada, o desfecho episódico - porém recorrente - da forma como se produz e se consome bens e serviços no mundo?
A pandemia magnifica as tensões dilacerantes da organização social do nosso tempo: globalizada nas trocas econômicas, mas enfraquecida como projeto político global, interconectada digitalmente porém impregnada de desinformação, à beira de colapso ambiental, mas dominantemente não sustentável, carente de ideais políticos, mas tão avessa à política e a projetos comuns. A pandemia nos coloca diante do espelho, que nos revela um mundo atravessado por muitas crises e carente de mudanças.
Em 1993, Richard Krause constatou a persistência das doenças infecciosas que, em sua visão, representavam uma ameaça permanente a todos os países, independentemente do grau de desenvolvimento econômico e condições sanitárias. Para ele, “as epidemias são tão certas como a morte e os impostos” 1 (p. xvii). Pouco antes do impacto da epidemia de aids, perspectivas como a do citado virologista americano já colocavam em xeque uma das teses dominantes na saúde pública da segunda metade do século XX, caracterizada pelo prognóstico da eliminação das doenças decorrentes da afluência e da urbanização. Dessa forma, muitas doenças poderiam ser prevenidas pelos avanços tecnológicos, universalização do saneamento básico e, particularmente, pelo desenvolvimento de antibióticos e vacinas. Nesse modelo teórico, ocorreria a perda de importância das doenças infeciosas nos países mais ricos, onde as doenças dos períodos de carência cederiam inexoravelmente lugar para as doenças da abundância e do excesso. Contudo, em muitos países permaneceria uma distribuição desigual nos padrões epidemiológicos, indicando que a prevalência de doenças infeciosas, da desnutrição e, mesmo, da baixa expectativa de vida, seria inversamente proporcional ao tamanho da economia dos países. No mundo, a desigualdade na distribuição dos padrões epidemiológicos seria em função da distribuição desigual das condições socioeconômicas e dos meios de prevenção e tratamento de doenças.
A pandemia de COVID-19 evidenciou uma profunda mudança nas relações entre espaço, tempo e doenças infecciosas. Percebeu-se que o mundo estava mais vulnerável à ocorrência e à disseminação global, tanto de doenças conhecidas, como novas. A integração das economias em todo o planeta permitiu: um grande aumento de circulação de pessoas e de mercadorias; promoveu o uso intensivo e não sustentável dos recursos naturais; e acentuou mudanças sociais favoráveis ao contágio das doenças infeciosas, p.ex., adensamento populacional urbano, massiva mobilidade de populações nestes espaços, agregação de grandes contingentes de pessoas pobres, que por seu turno acabariam por ocupar habitações precárias com acesso limitado ao saneamento básico. Essas condições permitiram o desenvolvimento da “globalização da doença” como a COVID-19, tomando aqui de empréstimo a definição de Fidler 2 relativa à pandemia de síndrome respiratória aguda grave (SARS), que ocorreu em 2002-2003.
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