[16:16, 30/04/2020] Moraaaaaaaes: nova tribo dos micreiros cresceu tanto que talvez já não seja mais apenas uma tribo, mas uma nação, embora a linguagem fechada e o fanatismo com que se dedicam ao seu objetivo de culto sejam quase de uma seita. São adoradores que têm com o computador uma relação parecida à do homem primitivo com o totem e o fogo. Passam horas sentados, com olhar fixo num espaço luminoso de algumas polegadas, trocando não só o dia pela noite, como o mundo real pela realidade virtual.
Sua linguagem lembra a dos funkeiros em quantidade de importações vocabulares adulteradas, porém é mais ágil e rica, talvez a mais rápida das tribos urbanas modernas. Dança quem não souber o que é BBS, internet, modem, interface, configuração, acessar e assim por diante. Alguns termos são neologismos e, outros, reações semânticas de velhos significados, como janela, sistema, ícone, maximizar. Quando ouvi outro dia que ‘fulano é ‘interneteiro’, achei que era uma grave acusação.
No começo da informatização das redações de jornais, não faz muito tempo, houve um divertido mal-entendido quando uma jovem repórter disse pela primeira vez: ‘Eu abortei!’ Ela acabava de rejeitar não um filho, mas uma matéria. (...)
Nada mais tem forma e sim ‘formatação’. Foi-se o tempo em que ‘fazer programa’ era uma aventura amorosa. O ‘vírus’ que apavora os micreiros não é o HIV, mas uma intromissão indevida no ‘sistema’, outra palavra cujo sentido atual não tem nada a ver com os significados anteriores. A geração de 1968 lutou para derrubar o sistema; hoje o sistema cai a toda hora.
Alguns velhos homens de letras olham com preconceito essa tribo, como se ela fosse composta apenas de jovens e ainda por cima iletrados. É um engano, porque há entre eles respeitáveis senhores e brilhantes intelectuais, como Umberto Eco, Rubem Fonseca e Millor Fernandes. Os micreiros estão em muito boa companhia.
Falar mal hoje do computador é tão inútil e reacionário quanto foi quebrar máquinas no começo da primeira Revolução Industrial. Ele veio pra ficar, como se diz, e seu sucesso é avassalador. Basta ver o entusiasmo das adesões.
Está bem que não se deve ser ‘neoconservador’, como diria o presidente. Devemos ser modernos, se possível pós- modernos. Mas também é ridículo ficar rendendo homenagem à arrogância e onipotência do computador como se fosse tornar obsoleta a inteligência humana, como um salvador da pátria, como se fosse resolver todos os nossos problemas, como se fosse o marco zero de uma nova civilização, como um exterminador do futuro: ‘Ele vai acabar com o livro, vai acabar com o jornal, vai acabar com isso e com aquilo.’ Se a tecnofobia é obsoleta, a tecnofilia pode ser mistificadora. {...}
Talvez esteja na hora de baixar um pouco a bola do computador - até porque, {...}, ele é buro, buro como um robô, só sabe repetir, não sabe nada que você já não tenha sabido antes. Além de não ter imaginação, rejeita o desconhecido e a originalidade. {...}
Como é que se pode confiar no discernimento de uma máquina que não é capaz de reconhecer a palavra árvore, ou qualquer outra, se lhe faltar apenas uma simples letra. {...}
No fundo, o computador é o personagem daquela famosa piada do próprio Millôr: ‘Para bom entendedor meia palavra basta, não é becil?’”
(VENTURA, Zuenir, In: Crônicas de um fim de século. Rio de Janeiro: Objetiva, 1999, p. 56 - 8)
PALAVRAS E SIGNIFICADOS (USE UM DICIONÁRIO OU A INTERNET)
1) Reescreva as frases, substituindo as palavras destacadas por expressões equivalentes: (1,0)
a) “...uma relação parecida à do homem primitivo com o totem e o fogo.”
____________________________
b) ...em quantidade de importações vocabulares adulteradas...
____________________________
c) “... e seu sucesso é avassalador. Basta ver o entusiasmo das adesões.”
____________________________
d) “...como se fosse obsoleta a inteligência humana...”
____________________________
e) “Como é que se pode confiar no discernimento de uma máquina que não é capaz de reconhecer...”
____________________________
ANÁLISE DA LEITURA (5,0)
1) O narrador desenvolve suas opiniões sobre o computador e alguns de seus usuários, os micreiros. No primeiro parágrafo, que crítica é feita ao comportamento dessa tribo?
_____________________________
2) No 2º parágrafo, há uma análise da linguagem utilizada pelos usuários de computador. Nesse caso, a que conclusão se pode chegar quanto à influência dessa linguagem em nosso idioma?
_____________________________
3) A tribo dos micreiros sofre, às vezes, certo preconceito, principalmente entre algumas pessoas mais velhas e letradas. Como o narrador comprova que esse preconceito é infundado?
_____________________________
4) Na sua opinião, por que há esse conceito de que micreiros são pessoas jovens e iletradas?
_____________________________
5) Que considerações o narrador tece ao final do texto a respeito do computador? Destaque os argumentos favoráveis e as críticas.
_
Soluções para a tarefa
Respondido por
3
Resposta:
b
Explicação:
Perguntas interessantes
História,
7 meses atrás
ENEM,
7 meses atrás
Português,
7 meses atrás
Português,
10 meses atrás
Matemática,
10 meses atrás
Química,
1 ano atrás
Contabilidade,
1 ano atrás