Português, perguntado por marianamoreira9, 10 meses atrás

01) Qual a relação entre o título e o tema? o lixo

Soluções para a tarefa

Respondido por dudaduprat03
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Como assim? Tem como mandar foto da questão?

Respondido por karynneGF
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vc n colocou o texto entao aqui esta ;

Lixo

Encontraram-se na área de serviço. Cada um com seu pacote de lixo. É a primeira vez que se falam.  

-- Bom dia...

-- Bom dia.

-- A senhora é do 610.

-- E o senhor do 612.

-- É.

-- Eu ainda não o conhecia pessoalmente...

-- Pois é.

-- Desculpe a minha indiscrição, mas tenho visto o seu lixo...

-- O meu o quê?

-- O seu lixo.  

-- Ah...

-- Reparei que nunca é muito. Sua família deve ser pequena...

-- Na verdade, sou só eu.  

-- Mmmmmmmm. Notei também que o senhor usa muita comida em lata.

-- É que tenho que fazer minha própria comida. E como não sei cozinhar...

-- Entendo.

-- A senhora também...

-- Me chame de você.  

-- Você também perdoe a minha indiscrição, mas tenho visto alguns restos de comida em seu lixo. Champignos, coisas assim...

-- É que eu gosto muito de cozinhar. Fazer pratos diferentes. Mas, como moro sozinha, às vezes sobra...

-- A senhora... você não tem família?

-- Tenho, mas não aqui.  

-- No Espírito Santo.  

-- Como é que você sabe?

-- Vejo uns envelopes no seu lixo. Do Espírito Santo.

-- É. Mamãe escreve toda semana.  

-- Ela é professora?

-- Isso é incrível! Como foi que você adivinhou?

-- Pela letra no envelope. Achei que era letra de professora.

-- O senhor não recebe muitas cartas. A julgar pelo seu lixo...

-- Pois é...

-- No outro dia tinha um envelope de telegrama amassado.

-- É.

-- Más notícias?

-- Meu pai. Morreu.

-- Sinto muito.  

-- Ele já estava bem velhinho. Lá no Sul. Há tempos não nos víamos.  

-- Foi por isso que você recomeçou a fumar?

-- Como é que você sabe?

-- De um dia para o outro começaram a aparecer carteiras de cigarro amassadas no seu lixo.  

-- É verdade. Mas consegui parar outra vez.  

-- Eu, graças a Deus, nunca fumei.  

-- Eu sei. Mas tenho visto uns vidrinhos de comprimido no seu lixo...

-- Tranquilizantes. Foi uma fase. Já passou.  

-- Você brigou com o namorado, certo?

-- Isso você também descobriu no lixo?

-- Primeiro, o buquê de flores, com o cartãozinho, jogado fora. Depois, muito lenço de papel...

-- É, chorei bastante, mas já passou.

-- Mas hoje ainda tem uns lencinhos...

-- É que estou com um pouco de coriza.

-- Ah.

-- Vejo muita revista de palavras cruzadas no seu lixo.

-- É. Sim. Bem. Eu fico muito em casa. Não saio muito. Sabe como é.

-- Namorada?

-- Não.  

-- Mas há uns dias tinha uma fotografia de mulher no teu lixo. Até bonitinha.  

-- Eu estava limpando umas gavetas. Coisa antiga.  

-- Você não rasgou a fotografia. Isso significa que, no fundo, você quer que ela volte.  

-- Você já está analisando o meu lixo!  

-- Não posso negar que o seu lixo me interessou.  

-- Engraçado. Quando examinei o seu lixo, decidi que gostaria de conhecê-la. Acho que foi a poesia.

-- Não! Você viu meus poemas?

-- Vi e gostei muito.  

-- Mas são muito ruins!  

-- Se você achasse eles ruins mesmo, teria rasgado. Eles só estavam dobrados.  

-- Se eu soubesse que você ia ler...

-- Só não fiquei com eles, porque, afinal, estaria roubando. Se bem que não sei: o lixo da pessoa ainda é propriedade dela?  

-- Acho que não. Lixo é domínio público.  

-- Você tem razão. Através do lixo, o particular se torna público. O que sobra da nossa vida privada se integra com a sobra dos outros. O lixo é  comunitário. É a nossa parte mais social. Será isso?

-- Bom, aí você já está indo fundo demais no lixo. Acho que...

-- Ontem, no seu lixo...

-- O quê?

-- Me enganei, ou eram cascas de camarão?

-- Acertou. Comprei uns camarões graúdos e descasquei.

-- Eu adoro camarão.

-- Descasquei, mas ainda não comi. Quem sabe a gente pode...

-- Jantar juntos?

-- É.

-- Não quero dar trabalho.  

-- Trabalho nenhum.  

-- Vai sujar a sua cozinha.  

-- Nada. Num instante se limpa e põe os restos fora.  

-- No seu lixo ou no meu?  

(Luís Fernando Veríssimo)

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