Chovia, e eu a caminho do banco — ainda sou daquelas que vão ao banco pagar contas. Dobrei a esquina e, diante do botequim que em dias mais amenos acolhe os moradores da comunidade, vi o pombo. Um pombo escuro, todo molhado, as penas coladas no corpo magro. Visivelmente doente. Ciscava na calçada à cata de migalhas, mais prováveis naquele lugar onde há sempre gente comendo. Não parecia disposto a voar. “Coitado do pombo!” — comentei com um popular que tomava café de copo na porta do botequim — “Está doente e com fome. Pombos sadios não se molham na chuva”. O homem concordou olhando para ele, o bicho estava doente mesmo.
Fiquei alguns minutos observando aquela busca nos vãos entre as pedras portuguesas, modesta caçada para a qual só o bico era arma ou ferramenta. Depois fui no meu rumo, levando uma ponta de tristeza.
Poucos passos adiante passei pelo gazista que já me atendeu mais de uma vez, pessoa boníssima a quem dei alguns livros para os netos. Perguntou como eu estava, respondi que eu ia bem, mas o pombo da esquina parecia doente. Olhamos ambos a criatura. “E além do mais tem fome”, acrescentei. “A senhora é que tem bom coração” arrematou ele.
Bom coração coisa nenhuma, murmurei silenciosamente para mim mesma enquanto seguia caminho pisando nas poças como castigo embora calçasse galochas. Tivesse bom coração, continuou meu pensamento, comprava alguma coisa para o pombo comer.
Bolo parecia uma boa ideia, fácil de esfarelar. Mas eu estava com pressa, ia dar a hora do almoço. Fui em frente.
Fiz o que tinha que fazer no banco e vinha voltando, quando passei pela padaria. Um pão daria muita migalha. Entrei contente, comprei um pãozinho francês ainda morno. Mas quando cheguei à esquina o pombo não estava lá. Procurei por ele na rua, do outro lado, virando a esquina. Nem sinal. Havia sido espantado pela chuva ou pela fome.Protegi com a mão o saquinho de papel, não fosse o pão murchar com a umidade. E pensava que utilidade lhe dar, quando vi se aproximando na calçada, em sentido contrário, um homem descalço, de bermuda, olhos grandes no rosto magro, que se abrigava debaixo de uma barraca de praia grande, colorida e gotejante. Quanto cruzamos caminho, ele me pediu, sem grande expectativa e continuando a caminhar, algo para comer. “Quer um pão?” perguntei virando-me, já dois passos à frente. “Tá fresquinho” acrescentei, como a dizer que não era coisa pouca. “Aceito”, ele respondeu com delicadeza, ”Deus lhe pague”. O saquinho de papel trocou de mãos, o pão tinha achado sua função.
Há sempre alguém com fome.
Atravessei a rua em direção ao meu prédio. Ia sorridente por ter conseguido atender pelo menos uma das duas necessidades.
Antes da entrada, mas já debaixo da marquise, fechei o guarda-chuva e o deixei longamente gotejar. Não queria molhar nem mármore nem elevador. Esperava as últimas gotas caírem, quando um porteiro do prédio se aproximou. “Dá licença, D. Marina?” disse já se apropriando do guarda-chuva. Fechou-o no punho, deu com ele duas ou três firmes chicotadas no ar expelindo toda a água, e o devolveu quase seco. “Que jeito ótimo de impedir poças indesejadas!”, exclamei à guisa de agradecimento. E redobrei o sorriso.
Há sempre alguém para nos ensinar alguma coisa.
O texto lido pode ser classificado como:
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