3. Nesses tempos de pandemia provocado pelo Coronavírus, são inúmeras as informações e os indicativos de ação. Isto, exige de todos um posicionamento pessoal, mas que irá refletir na vida de todos. Neste sentido, a filosofia pode contribuir enquanto?
Soluções para a tarefa
Resposta:
Por Andrés Ferrari e André Moreira Cunha, professores do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS
Ganha proeminência no debate atual sobre a pandemia do COVID-19 a crítica à estratégia do isolamento social. Esta se fundamenta, em essência, na ideia de que os impactos econômicos do isolamento são maiores do que os seus benefícios em termos de saúde pública. Argumenta-se que a eventual restrição de contato social deveria ser direcionada aos grupos de risco desta pandemia, qual seja, pessoas com mais de 60 anos de idade ou que sejam portadoras de doenças crônicas. Por decorrência, o resto da sociedade deveria retomar a normalidade o quanto antes a fim de reduzir os impactos econômicos desta nova forma de “parada súbita”[1].
Os defensores do “retorno à normalidade” argumentam que os óbitos causados pelo COVID-19 como proporção do total da população são inferiores àquelas mortes derivadas de outras enfermidades ou processos sociais, como assassinatos e acidentes de trânsito. E, por imposição lógica, se a economia não costuma parar em função de tais problemas, não haveria de ser impedida por efeito de um vírus ainda menos letal.
Até o momento (25 de março), as fontes oficiais[2] reportam que, em termos globais, há 459 mil pessoas que foram comprovadamente infectadas pelo COVID-19. O número de mortes associadas à pandemia é de 21 mil pessoas (5% do total), ao passo que os pacientes já recuperados são 114 mil (25%) e as pessoas que ainda estão infectadas são 324 mil (70%). Deste último universo, 310 mil pessoas (96% dos 324 mil) apresentam sintomas leves, ao passo que 14 mil (4%) demandam cuidados intensivos. Outra forma de olhar os números é a partir do universo dos 135 mil casos já considerados encerrados, pois os pacientes ou se recuperaram (85%) ou morreram (15%).
É razoável assumir que, em comparação com a população mundial de 7,7 bilhões de pessoas, o número de infectados ou mortos é ínfimo até o momento. Mais precisamente, de 0,006% e 0,0003%, respetivamente. Estas cifras podem variar em função de que o número de pessoas contaminadas é um múltiplo daquelas que estão comprovadamente com o COVID-19. Em todo o caso, isto não altera o fato de que, até aqui, há, com efeito, um argumento estatístico de que a pandemia em curso tem uma incidência baixa e que, portanto, não deveria ser uma desculpa para paralisar as economias.
A despeito da aparente lógica dos números, o raciocínio que fundamenta a proposta de “vida normal” está equivocado por diversas razões.
Em primeiro lugar, os indicadores correntes de contaminação e de óbito estão se mantendo em patamares relativamente baixos diante dos contingentes populacionais totais exatamente porque se tem aplicado como medida universal o isolamento social. Caso não houvesse o isolamento social, a população infectada poderia chegar a algo entre 60% e 80% do total mundial, conforme estimativas do Dr. Gabriel Leung, especialista que integra a equipe da Organização Mundial da Saúde e que lida com a pandemia do CODIV-19.
Com um ritmo crescente de infectados, o número total de óbitos seria, evidentemente, muito superior, com estimativas que podem variar de 1% da população mundial (77 milhões de pessoas), de acordo com os cálculos de Gourinchas[3] para o caso de que somente metade da população global se infecte e haja algum achatamento da curva epidemiológica; ou de 5% do total de habitantes do planeta, considerando 100% de infecção e nenhum achatamento, ou seja, uma mera extrapolação linear das taxas de mortalidade observadas no presente.
Em segundo lugar, o retorno à normalidade deve considerar que os eventuais contaminados que apresentam sintomas leves ou mesmo os que não possuem sintomas talvez não tenham condições objetivas – dada a desorganização dos diversos sistemas econômicos (transporte, comunicações, abastecimento etc.) e sanitários – e subjetivas (impactos psicológicos) de retornar ao trabalho.
Como supor que a vida social e econômica seguirá seu curso natural com a contaminação crescente se, mantidas as proporções atuais, 4% dos infectados apresentam sintomas graves e, com isso, demandam atenção intensiva de recursos médicos e hospitalares, inclusive leitos de UTI, equipamentos de apoio à respiração etc.? Para ilustrar o problema, basta um raciocínio simples: se 50% da população brasileira for infectada, teremos cerca de cinco milhões de pessoas que demandarão atenção especial, um número que em muito excede a capacidade humana, material e de recursos hospitalares existentes no país. O mesmo vale para os demais países.
Assim, por mais que a taxa de mortalidade da pandemia em curso seja relativamente baixa, mesmo quando comparada com outras tragédias humanitárias – pensemos nos 70 a 80 milhões de mortos na Segunda Guerra Mundial (ou 12% da população da época) –, os impactos sobre o sistema de saúde e o conjunto da sociedade destas cifras são realmente preocupantes para se considerar o caso de normalidade imediata.